segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Japoneses recriam imagem vista por voluntário 'lendo-a' no cérebro

Japoneses recriam imagem vista por voluntário 'lendo-a' no cérebro

Técnica permite visualizar o que uma pessoa está enxergando.
Cientistas cogitam usar estratégia para ver até imagens de sonhos.
Salvador Nogueira

Capa da revista científica 'Neuron' destaca a pesquisa (Foto: Divulgação)

Os turistas japoneses são famosos por andar pelo mundo com suas câmeras fotográficas em riste, sempre prontos a tirar uma foto para registrar o que tiveram a chance de ver com os próprios olhos. Mas uma nova pesquisa, realizada por lá mesmo, promete tornar o aparelho inútil. Um grupo de pesquisadores conseguiu extrair imagens da visão de uma pessoa diretamente do cérebro.

Parece ficção científica, mas é a mais pura verdade. O feito, obtido pelo grupo de Yukiyasu Kamitani, dos Laboratórios de Neurociência Computacional da ATR, em Kyoto, foi reportado na última edição da revista científica "Neuron".

E o melhor de tudo: para "ler" as imagens que o indivíduo estava enxergando, os cientistas não precisaram fazer nada agressivo, como plugar eletrodos diretamente no cérebro ou algo do tipo. Os resultados foram obtidos graças às técnicas de imageamento cerebral. Eles usaram a famosa ressonância magnética funcional -- procedimento que permite observar que áreas do cérebro se ativam a cada momento -- para extrair as informações.

O experimento foi conduzido da seguinte maneira. Primeiro, o voluntário era submetido a diversas imagens relativamente simples, com apenas dez pixels de altura por dez de largura. Cada pixel podia ser apenas preto ou branco, para simplicar a coisa toda.

Enquanto ele ia observando cada uma das imagens, o aparelho de ressonância magnética passava o tempo todo analisando os padrões de atividade no cérebro -- especificamente na região responsável pela interpretação dos estímulos enviados pela visão.

Plugado ao aparelho de ressonância estava um computador, que usava as correlações entre imagens e atividade cerebral, para calibrar um padrão -- de forma a "aprender" que partes do cérebro se ativavam para representar cada um dos pixels das figuras apresentadas ao voluntário.

Por fim, chegava a parte realmente empolgante: imagens eram apresentadas ao voluntário, e o computador tentava, usando só os dados vindos da ressonância, recriar as imagens observadas.

Confira o resultado, impressionante, abaixo.
Foto: Divulgação

Acima, padrão de imagens exibido ao voluntário; abaixo, reconstruções feitas pelo computador (Foto: Divulgação)


Futuro de sonhos

Os pesquisadores limitaram a pesquisa a imagens de apenas duas cores (preto ou branco), com resolução pequena. Mas o princípio está comprovado. Resta apenas aprimorar a técnica para obter imagens mais e mais detalhadas e precisas.

"Embora tenhamos nos concetrado aqui na reconstruções de padrões de contraste [preto ou branco], nossa estratégia poderia ser usada para reconstruir imagens visuais definidas por outras características, como cor, movimento, textura e disparidade binocular", escrevem os pesquisadores.

Mas o mais empolgante mesmo é a sugestão que eles fazem de que, no futuro, talvez seja possível reconstruir imagens não de coisas que a pessoa está vendo no momento, mas viu no passado -- ou até mesmo imagens de sonhos!

"Interessantes são as tentativas de reconstruir estados subjetivos que são produzidos sem estimulação sensorial, como imagens pensadas, ilusões e sonhos", dizem os cientistas japoneses. "Vários estudos sugeriram que essas percepções subjetivas ocorrem no córtex visual" -- exatamente a área do cérebro que eles mapearam para obter as imagens no estudo.

Será que no futuro poderemos "gravar" nossos sonhos em vídeo, em vez de anotá-los num caderninho? E quanto às nossas memórias? E o que imaginamos? São perspectivas fascinantes, que se abrem com a pesquisa japonesa.

Mas, claro, os estudos terão de avançar muito até que cheguemos lá. Por ora, os turistas japoneses devem continuar atravessando o globo com suas maquinetas fotográficas em punho.

Grupo cria programa que lê pensamento

Usando ressonância magnética, japoneses conseguiram decodificar a visão de uma pessoa examinando o seu cérebro

Aprimoramento pode levar nova tecnologia a ser capaz de registrar sonhos; método remete a debate sobre ética e privacidade no futuro

DA "NEW SCIENTIST"
As letras para as quais você olha agora podem ser recriadas com um programa de computador usando mapeamento cerebral por ressonância magnética. Em um feito inédito na neurociência, um grupo de cientistas japoneses anunciou pela primeira vez uma tecnologia de "leitura da mente" capaz de recriar imagens a partir de nada mais do que puro pensamento.

O método foi apresentado em estudo sexta-feira na revista "Neuron". Experimentos semelhantes já haviam sido feitos, mas as imagens observadas eram "escolhidas" pelos cientistas e não produzidas diretamente pela máquina de leitura cerebral, como feito agora.

O neurocientista Jack Gallant, autor dos primeiros trabalhos nessa linha, já havia mostrado no início do ano que era possível identificar qual imagem, num grupo de várias, estava sendo observada pelos voluntários dos experimentos. Para fazer isso, criou um programa capaz de comparar a atividade cerebral das pessoas durante a observação de um objeto com a atividade pré-registrada num "treinamento". O programa conseguia então apontar qual imagem era a observada.

Agora, Yukiyasu Kamitani, do Laboratório de Neurociência Computacional ATR, em Kyoto, foi um passo além. Sua equipe usou uma imagem de atividade cerebral obtida em uma máquina de ressonância magnética funcional para recriar imagens em preto-e-branco a partir do zero.

"Ao analisar sinais cerebrais quando alguém vê uma imagem, podemos reconstruí-la", afirma Kamitani. Isso significa que a leitura da mente poderia ser usada para "extrair" qualquer coisa sobre a qual uma pessoa está pensando, sem os cientistas terem a menor idéia do que poderá vir.

Pixels mentais
"É absolutamente espantoso", comenta John-Dylan Haynes, do Instituto Max Planck para Cognição Humana, de Leipzig (Alemanha). "Isso é um passo realmente importante."
O experimento de Kamitani começa com uma pessoa observando uma seleção de imagens compostas de quadrados brancos ou pretos numa grade de dez por dez. Ao mesmo tempo, mapeia seus cérebros. Cada quadrado é como um pixel, um ponto na tela de computador.

O programa, então, acha os padrões de atividade cerebral que correspondem a cada pixel. Depois, a pessoa se senta na máquina de ressonância funcional e passa a olhar para figuras novas. É aí que um outro programa compara essa nova leitura com a anterior e reconstrói o quadro de pixels.

A qualidade de imagens obtida no experimento era um pouco baixa, mas foi suficiente para identificar as letras da palavra "neuron" (neurônio em inglês). Números e formas também foram mostrados às pessoas e puderam ser reconstruídos da mesma maneira (veja quadro à direita). Já vale como uma prova de princípio, diz Haynes .

Como a ressonância magnética funcional tem se aprimorado muito nos últimos anos, Kamitani afirma que seu quadro pode no futuro ser produzido com um número maior de pixels, produzindo imagens com muito mais qualidade.

O próximo passo dos cientistas é tentar reconstruir imagens sobre as quais as pessoas estão apenas pensando, sem vê-las diretamente. Seria então possível "fazer a filmagem de um sonho", diz Kamitani.

Haynes diz que isso pode levantar questões éticas no futuro. Publicitários, por exemplo, poderiam tentar ler os pensamentos dos transeuntes para adequar seus anúncios a elas.

Ladrões de sonhos
"Isso [a nova pesquisa] não leva necessariamente àquilo, mas o espírito do que está sendo feito está alinhado com com a leitura cerebral e com as aplicações que viriam com ela", afirma o neurocientista.

"Com uma técnica que permite ler o que as pessoas pensam, nós claramente precisamos de diretrizes éticas sobre quando e como isso pode ser feito", diz. "Muitas pessoas querem que seja possível ler suas mentes -uma pessoa paralisada, por exemplo. Mas não deveria ser permitido fazer isso com um propósito comercial."

O próprio Kamitani se diz ciente dos potenciais abusos que a tecnologia poderia propiciar. "Se a qualidade de imagens melhorar, poderia haver um sério impacto em nossa privacidade", diz. "Nós teremos que discutir com muitas pessoas -não apenas os cientistas- sobre como aplicar essa tecnologia. (CELESTE BEVIER)