domingo, 29 de março de 2009

Maus-tratos na infância alteram até os genes ativos no cérebro

Pesquisadores canadenses estudaram neurônios de suicidas.

Alterações genéticas estão ligadas a resposta ao estresse.

Benedict Carey Do 'New York Times'

Durante anos, psiquiatras sabiam que crianças que sofrem abuso ou são negligenciadas correm um alto risco de desenvolver problemas mentais no decorrer da vida, de ansiedade e depressão a abuso de drogas e suicídio. A ligação não é surpreendente, mas levanta uma questão científica crucial: o abuso causaria mudanças biológicas que podem aumentar o risco desses problemas?

Durante as últimas décadas, pesquisadores da Universidade McGill, em Montreal, comandados por Michael Meaney, mostraram que o amor materno altera a expressão de genes em animais, permitindo a diminuição em sua reação fisiológica ao estresse. Esses locais de armazenamento biológico são então passados à próxima geração: roedores e primatas não-humanos biologicamente preparados para lidar com estresse tendem a ser mais cuidadosos com sua própria cria, conforme descobriram Meaney e outros pesquisadores.

Agora, pela primeira vez, eles têm uma prova direta de que o mesmo sistema funciona nos seres humanos. Num estudo sobre pessoas que cometeram suicídio, publicado na revista científica "Nature Neuroscience", pesquisadores de Montreal relatam que pessoas severamente abusadas ou negligenciadas na infância mostraram alterações genéticas que provavelmente as tornaram mais biologicamente sensíveis ao estresse. As descobertas ajudam a iluminar a biologia por trás das feridas de uma infância difícil e sugerem algo que constitui flexibilidade naqueles capazes de vencer essas feridas.

O estudo “estende o trabalho animal no ajuste do estress a humanos de maneira dramática,” escreveu num e-mail Jaak Panksepp, professor adjunto da Universidade Estadual de Washington que não estava envolvido na pesquisa. Ele acrescentou: “Trata-se de um ótimo exemplo de como o estudo de modelos animais de flexibilidade emocional podem facilitar a forma de compreender as vicissitudes humanas.” 

Duas dúzias de cérebros

No estudo, cientistas da McGill e do Instituto de Ciências Clínicas de Cingapura compararam os cérebros de 12 pessoas que haviam cometido suicídio e tiveram infâncias difíceis com 12 pessoas que haviam cometido suicídio e que não haviam sofrido abusos ou negligência enquanto crianças.

Os cientistas determinaram a natureza da criação dos objetos de estudo realizando extensas entrevistas com parentes próximos, assim como investigando registros médicos. Os cérebros estão preservados no Hospital Douglas, em Montreal, como parte do Banco de Cérebros de Suicidas em Quebec, um programa fundado por pesquisadores da McGill para promover estudos sobre o suicídio que recebe doações de cérebros de toda a província.

Quando as pessoas estão sob estresse, o hormônio cortisol circula largamente, colocando o corpo em alerta máximo. Uma forma pela qual o cérebro reduz essa ansiedade física é criando receptores em células do cérebro que ajudam a limpar o cortisol, inibindo a agonia e protegendo neurônios da exposição prolongada ao hormônio, que pode ser danosa.

Os pesquisadores descobriram que os genes que regulam esses receptores eram cerca de 40% menos ativos em pessoas que haviam sofrido abusos na infância. As mesmas impressionantes diferenças foram encontradas entre o grupo do abuso e os cérebros das 12 pessoas de um terceiro grupo, o de controle, que não haviam sofrido abuso e que morreram de outras causas que não o suicídio. “Isso é uma boa evidência de que os mesmos sistemas funcionam em humanos e em outros animais”, diz Patrick McGowan, pós-doutorando no laboratório de Meaney na McGill e autor-chefe do estudo. Seus co-autores, juntamente com Meaney, foram Aya Sasaki, Ana C. D'Alessio, Sergiy Dymov, Benoît Labonté e Moshe Szyf, todos da McGill, e o Dr. Gustavo Turecki, um pesquisador da McGill que dirige o Banco de Cérebros.

Graças a diferenças individuais no maquinário genético que regula a resposta ao estress, explicam os especialistas, muitas pessoas administram seu sofrimento a despeito de infâncias terríveis. Outros podem encontrar conforto em outras pessoas, o que os ajuda a normalizar a inevitável dor de viver uma vida inteira.

“A conclusão é que esta é uma linha de trabalho incrível, mas ainda há um longo caminho a se percorrer – seja para compreender os efeitos da experiência prematura ou as causas das doenças mentais”, disse por e-mail Steven Hyman, um neurobiólogo da Universidade Harvard.

Ver alguém que você inveja levar a pior dá prazer ao seu cérebro

Conclusão é de análise feita com ressonância magnética por japoneses.

Cientistas dizem que sentimentos invejosos são produto de vida social.

Natalie Angier Do 'New York Times'


A maioria dos vícios humanos tem sentido suficiente para ser muito, muito tentadora. Luxúria, gula, preguiça, lançar fortes expletivos a um membro da oposição política, comprar um par de sapatos de pele de cobra com 25% de desconto mesmo que tenha acabado de comprar um par de sandálias vermelho-cereja na semana passada – todas essas coisas são deliciosas, e é por isso que as pessoas precisam ser repetidamente lembradas de não fazer isso.

 

 

Foto: Serge Bloch/NYT

As desgraças dos outros podem ter gosto de mel, diz ditado japonês (Foto: Serge Bloch/NYT)

Um vício, entretanto, dispensa quaisquer enfeites hedônicos e gera tanta dor que você pensaria ser uma virtude, embora não haja nenhum ganho final em massa muscular: a inveja. Escondendo-se em sexto lugar nas listas tradicionais dos sete pecados capitais, entre a ira e a vaidade, a inveja é o profundo e muitas vezes hostil ressentimento que se sente em relação a alguém que tem algo que você quer, como dinheiro, beleza, uma promoção ou a admiração de um colega. É um vício que poucos podem evitar, mas que ninguém anseia, pois experimentar a inveja é se sentir menor e inferior, um perdedor embrulhado em maldade.

"A inveja é corrosiva, feia, e pode arruinar sua vida", diz Richard H. Smith, professor de psicologia da Universidade do Kentucky, que escreveu sobre a inveja. "Se você é uma pessoa invejosa, é difícil apreciar muitas das coisas boas que estão por aí, pois você está ocupado demais se preocupando sobre como elas se refletem em si próprias."

Agora, pesquisadores estão colhendo percepções sobre os interiores neurais e evolutivos da inveja, e por que ela pode parecer uma doença física ou um golpe real. Eles também estão traçando o caminho da igualmente pequena embalagem da inveja, a sensação de "schadenfreude" – sentir prazer quando aqueles que você inveja são levados à lona.

Numa edição recente da revista especializada "Science", pesquisadores do Instituto Nacional de Ciências Radiológicas, no Japão, e seus colegas descreveram exames cerebrais com participantes que tiveram de imaginar a si mesmos como protagonistas de dramas sociais envolvendo personagens com maiores ou menores status de realização. Ao confrontar personagens que os participantes admitiam invejar, as regiões cerebrais envolvidas em registrar a dor física eram estimuladas: quanto mais alto os participantes classificavam sua inveja, mais vigorosamente respondiam as saliências da dor no córtex dorsal anterior e áreas relacionadas. 

Bem feito

Ao mesmo tempo, dizem os pesquisadores, quando os participantes receberam a oportunidade de imaginar a queda do sortudo, os circuitos de recompensa do cérebro foram ativados, novamente em proporção à força da ferroada da inveja: os participantes que sentiram a maior inveja reagiram à desgraça do outro com uma reação mais vigorosa nos centros de prazer de dopamina como, por exemplo, o estriado ventral. "Temos um ditado em japonês: 'As desgraças dos outros têm gosto de mel'" diz Hidehiko Takahashi, o primeiro autor do estudo. "O estriado ventral está processando esse mel."

Matthew D. Lieberman, do departamento de psicologia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, co-autor de um comentário que acompanha o relato, diz ter se impressionado por como os combinados neurais de inveja e schadenfreude eram amarrados conjuntamente, com a magnitude de um prevendo a força do outro. "É assim que funcionam outros sistemas de processamento de necessidades, como a fome e a sede", diz ele. "Quanto mais fome ou sede você sente, o mais prazeroso será quando você finalmente beber ou comer."

As novas descobertas são preliminares, mas alguns cientistas expressaram reservas sobre o que elas ou outros resultados de exames do dinâmico campo de neurociência comportamental realmente significam. Todavia, a pesquisa lança uma luz sobre uma poderosa emoção que nós negamos ou ridicularizamos, mas ignoramos por nossa conta e risco. Grande parte da recente crise econômica, sugere Smith, pode muito bem ter sido abastecida por inveja fugitiva, à medida que financistas competiam para evitar a vergonha de ser um "mero" milionário. 

Correlatos animais

A inveja pode ser vista em outros animais sociais com reputações pessoais a defender. Frans de Waal, do Yerkes National Primate Research Center em Atlanta, apontou que os macacos eram felizes em trabalhar por fatias de pepino, até que uma pessoa passou a dar recompensas melhores, como uvas, a um dos macacos. Então os outros pararam de trabalhar por pepino e começaram a criar um rancor. "A emoção primária é provavelmente a inveja ou o ressentimento", diz de Waal.

Quando as crianças percebem que têm irmãos, suas vidas se tornam dominadas pela inveja. Por que ela sempre se senta na janela? O pedaço de bolo dele é maior! Sem irmãos? Tudo bem: você pode invejar o gato.

Pesquisadores muitas vezes distinguem entre a inveja e o ciúme que você sente, digamos, ao ver seu amado flertar com outra pessoa numa festa. O ciúme é um triângulo, diz Smith, no qual você teme perder um ser amado para outra pessoa. A inveja é um assunto entre duas pessoas, uma flecha indo de seu seio invejoso ao coração do outro mais favorecido. Embora a inveja seja incansável e gregária, podendo abraçar facções populares, a honra gira e completa Estados-nações. "É um fato da vida que prestemos muita atenção ao status, a quem está indo bem e quem não está, e como parecemos em comparação a outros", diz Colin W. Leach, professor associado de psicologia na Universidade de Connecticut, em Storrs, que estuda a inveja.

Como regra, invejamos aqueles que são como nós em muitas maneiras – sexo, idade, classe e currículo. Ceramistas invejam ceramistas, observou Aristóteles. Paradoxalmente, essa indução de emoções principalmente social tem sua confissão entre as menos socialmente aceitáveis. Hostilidade ciumenta a um rival romântico é um tópico aceitável para conversação. Hostilidade invejosa a um rival profissional é mais como uma função corporal constrangedora: por favor, não compartilhe. Quando questionados por pesquisadores sobre sua inveja, participantes de estudos disseram: "Estou secretamente envergonhado de mim mesmo."

Da forma como os cientistas evoluciotivos a veem, as características importantes da inveja – a persistência e universalidade, sua fixação com o status social e o fato de coexistir com a vergonha – sugerem o desempenho de um profundo papel social. Elas propõem que nossos impulsos individuais podem ajudar a explicar por que os humanos são comparativamente menos hierárquicos que muitas espécies primatas, mais inclinados a um igualitarismo bruto e a se rebelar contra reis e magnatas que conseguem mais do que sua parte justa.

A inveja também pode nos ajudar a manter a linha, nos tornando tão desesperados para parecermos bem que tomamos a estrada correta e começamos a agir bem. Lutamos com nossa inveja particular, nossos anseios por mais estima, e a luta só aguça o doloroso contraste entre a suposta perfeição do adversário, que santificamos num trono imaginário e a mercadoria defeituosa que somos nós mesmos.

"Se você deseja a glória, pode invejar Napoleão", disse Bertrand Russell. "Mas Napoleão invejava César, César invejava Alexandre, e Alexandre, ouso dizer, invejava Hércules, que nunca existiu." Se a inveja é um imposto cobrado pela civilização, todos precisam pagar.

Genética influencia modo de funcionamento do cérebro, diz estudo

Pesquisa envolveu a comparação de gêmeos idênticos e irmãos.
Resultado sugere que genes influenciam desempenho cognitivo.

Salvador Nogueira

 

Ativação média de um cérebro no estudo

Características como inteligência e personalidade podem ser herdadas geneticamente? O que faz uma pessoa agir de um determinado modo, a natureza ou a criação? Essas São algumas das questões mais intrigantes e controversas da ciência, e as respostas para elas só podem estar em um lugar: o cérebro. Agora, um novo estudo joga luz sobre a polêmica.

A pesquisa, encabeçada por Jan Willem Koten Jr., da Universidade Aachen, na Alemanha, usou as tradicionais imagens de ressonância magnética funcional para identificar potenciais mudanças em ativação de circuitos cerebrais pautadas pela genética.

Para fazer a constatação, ele comparou membros de dez trios de irmãos, dos quais dois eram gêmeos idênticos -- portanto, possuíam a mesma constituição genética.

Durante as observações do cérebro, os participantes tinha de realizar tarefas cognitivas ligadas à memória. Mais especificamente, tinham de memorizar a presença de um dígito específico num quadro de números enquanto eram distraídas pela realização de operações aritméticas ou categorização de objetos diferentes.

Estudos anteriores com gêmeos já tinham tentado encontrar potenciais diferenças no cérebro com base na genética, mas sem sucesso. Isso porque eles tentaram focar em partes específicas do órgão.

"Influências genéticas em ativação cerebral de áreas que tipicamente servem a uma função cognitiva devem ser modestas, porque essas áreas serão ativadas de forma similar em todos os humanos", explicam Koten Jr. e seus colegas, em artigo publicado na edição desta semana do periódico científico americano "Science". 

 Para o novo estudo, os pesquisadores decidiram olhar o cérebro como um todo. E aí sim conseguiram notar algumas diferenças entre os cérebros dos gêmeos e o de seu irmão não-idêntico -- focadas mais no hemisfério esquerdo do órgão. 


"Nossos achados demonstram que existem diferenças influenciadas geneticamente em padrões de ativação do cérebro, causando diferenças qualitativas em rotas de processamento neurocognitivo", concluem os cientistas.

Na prática, isso quer dizer que pelo menos algumas das características envolvidas com a cognição no cérebro sofrem influência genética. Quais e em que medida, ainda é um mistério a ser esclarecido.

terça-feira, 24 de março de 2009

O que você sonhou hoje?


Pesquisa mostra que sonhar pode ser muito mais útil que prever qual será o próximo jogo da Mega Sena.

Por Luana Ferreira




Luana Ferreira

O aluno Ronkaly, de Iniciação Científica, simula o experimento.
O Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra acaba de lançar uma ponte entre as pouco comunicáveis neurociências e a psicanálise. Estudando a relação entre sonho, aprendizado e memória, o pesquisador André Pantoja tem encontrado fortes indícios científicos de que muitos dos pensamentos que Sigmund Freud formulou no final do século 19 não só estão corretos, como podem ser usados para melhorar a vida das pessoas. 


Não é pouca coisa. Até agora, a maioria dos neurocientistas considera o sonho uma atividade cortical aleatória, provocada pela descarga difusa e não coordenada de vários neurônios, sem qualquer função. 


Mesmo o sono era considerado apenas um descanso para o corpo até bem pouco tempo. Influenciadas por essa idéia e pelas promessas de lucro e produtividade do capitalismo, as pessoas associaram sono à perda de tempo e começaram a dormir cada vez menos. O sonho foi esquecido. "Então, o índice de doenças como depressão e os transtornos da ansiedade, que tinham como causa a privação de sono, aumentaram", conta Pantoja. 


A importância do sono para o bom funcionamento cerebral hoje está bem estabelecida, mas pouco se sabe ainda sobre a influência do sonho sobre essas funções. As pesquisas ainda são parcas e inconsistentes, já que muitas vezes dependem apenas do relato de voluntários. 
Pantoja fez algo diferente. Ele usou um laboratório do sono para comparar o que acontece no cérebro das pessoas quando elas executam uma tarefa e quando repetem essa tarefa depois de dormir. E encontrou relação entre o conteúdo do sonho (onírico) e o desempenho dessas pessoas. 


Com a ajuda dos alunos de iniciação científica Dayara, Luciana e Ronkaly, todos da UFRN, Pantoja mapeou o traçado eletroencefalográfico de 22 sujeitos que dormiram no laboratório do sono com a cabeça repleta de eletrodos por duas noites. Na segunda noite, antes e depois de dormir, eles se divertiram no computador com o Doom, um jogo simples que envolve perseguição, mortes, monstros e labirintos. 


Antes, porém, a equipe fazia uma lista com tudo o que a pessoa havia feito durante o dia. As impressões sobre o jogo e o ambiente - um quarto climatizado com uma confortável cama de casal, um computador e um quadro com um navio pendurado na parede - também foram quantificadas. Elas eram filmadas enquanto jogavam, para análise do desempenho motor, e enquanto dormiam, por uma câmera infra-vermelha. 


Para aumentar a probabilidade de lembrança do sonho, Pantoja despertava os sujeitos minutos antes do horário habitual, coincidindo com último ciclo do sono REM (Movimento Rápido dos Olhos, em inglês), aquele em que acontecem os sonhos mais complexos, e fazia sempre a mesma pergunta: "O que está passando pela sua mente?" 


Vinte dos 22 sujeitos relataram sonhos quando foram acordados e 18 destes sonharam com elementos do jogo. Com isso, o pesquisador já respondia a duas perguntas importantes e ainda não esclarecidas: "As pessoas sonham todas as noites? e "esses sonhos têm a ver com o que fez durante o dia?". A resposta para as duas é: provavelmente, sim. 


Mas o que animou o grupo do Instituto foi a resposta da terceira pergunta: "Os sonhos são aleatórios?". De maneira inédita, na ciência mundial, Pantoja conseguiu não apenas estabelecer correlação entre o conteúdo do sonho e o desempenho, mas construir uma curva de aprendizagem, em que a quantidade do sonho se relaciona ponto a ponto com o desempenho até começar a cair, sugerindo que uma "overdose" de sonho também pode ser prejudicial para a aprendizagem. 


O achado é tão novo e surpreendente que a equipe pretende submetê-lo a uma das revistas científicas mais importantes do mundo, que Pantoja prefere não revelar. Caso seja aceito, será a primeira vez que uma pesquisa feita no Rio Grande do Norte aparecerá em um catálogo mundial das grandes descobertas. Bingo. 


Mas Pantoja vai além. Ele acredita que, se as pessoas prestarem mais atenção aos seus sonhos, poderão perceber "conselhos" que as ajudarão a viver melhor. Não se trata de relacionar perda de dinheiro com dente caído, por exemplo, mas entender as soluções (ou insights) que apenas em estado de inconsciência um cérebro pode chegar. "No sonho, você não vai achar a chave de todos os mistérios, mas do seu mistério", explica. 


Para isso, o neurocientista defende que cada pessoa mantenha um sonhário - ou diário dos sonhos, e registre o que se passou em suas mentes enquanto dormia. Com o treino, lembrar dos sonhos se tornaria algo espontâneo. O próximo passo seria aprender a interpretar o conteúdo dos sonhos, usando-os em seu benefício, e mais: conseguir interferir no seu enredo, através do sonho lúcido (aquele em que a pessoa está semi-inconscicente), cujo estudo vem sendo comandado por outro cientista do Intituto, Sérgio Rolim. "Você, cineasta do sonho. Ninguém mais vai querer ficar acordado", brinca Pantoja. 


Pode parecer estranho ouvir um neurocientista falar tão à vontade sobre teorias que até agora estão afastadas do rigor científico das ciências naturais. Pantoja faz parte do grupo de neuropsicanálise de Sidarta Ribeiro, que procura diminuir a distância entre as ciências da alma e do corpo, separadas pela ciência ocidental há quase cinco séculos. Com sua descoberta, o conhecimento humano dá um passo à frente.

Nicolelis: “O Brasil precisa de um Programa de Aceleração do Crescimento Humano"


Por Karla Larissa




Vlademir Alexandre
Nicolelis: "Eu acredito que o maior investimento que o Brasil precisa fazer é na formação de gente"
O neurocientista Miguel Nicolelis, que irá participar da próxima Sabatina Nominuto.com, na quarta-feira (18), às 19h, no auditório da Casa da Indústria, concedeu entrevista ao portal recentemente. Na entrevista, publicada no dia 5 de janeiro, Nicolelis fala sobre o trabalho no Instituto Internacional de Neurociências de Natal e os impactos econômicos no Estado; comenta sobre as pesquisas com neuropróteses, que desenvolve na Universidade de Duke; dá sua opinião sobre o governo Lula e sobre a possibilidade de ganhar o prêmio Nobel.


Confira a entrevista na íntegra:


Nicolelis: “O Brasil precisa de um Programa de Aceleração do Crescimento Humano"
Cientista considera que mais importante do que qualquer porto ou rodovia, o país precisa formar gente, pessoas que queiram transformar o Brasil.


Miguel Angelo Laporta Nicolelis, 46 anos, é responsável por uma das mais importantes descobertas da ciência recente, que pode ser a esperança de pessoas com deficiência física ou que sofrem de doenças degenerativas: um sistema que possibilita a criação de próteses controladas por sinais cerebrais. Apontado pela “Scientific American”, como um dos 50 principais líderes da ciência do mundo, ele se considera apenas um cientista que acredita que a ciência tem um papel transformador.


Filho da escritora infanto-juvenil, Giselda Laporta Nicolelis, com quem deve ter aprendido a sonhar, ele tem permitido hoje que cerca de mil crianças possam fazer o mesmo, a partir do projeto do Instituto Internacional de Neurociência de Natal, que, além disso, tem tornado a cidade pólo de referência nas pesquisas em biotecnologia.


Nicolelis recebeu a equipe do Nominuto.com, no final do expediente de sexta-feira (4), no Centro de Estudos e Pesquisa Prof. Cesar Timo-Iaria – IINN-ELS. Na entrevista, em determinado tempo interrompida por uma editora do The New York Times, que buscava informações sobre um experimento feito pelo cientista e que será divulgado só no próximo dia 15. O cientista falou sobre ciência, política, economia e até futebol. 


Ele revelou sua preocupação pelo fato de o país não ter uma visão estratégica de desenvolvimento e disse que, na verdade o Brasil precisa de um “PAC Humano”. Elogiou o Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação e divulgou um projeto, que pretende implantar no Rio Grande do Norte, o qual consiste em construir escolas, ao lado de maternidades, para que toda criança possa ter um acompanhamento desde a gestação até o final do ensino médio. Com isso, ele acredita que o Estado poderá sair do último lugar no sistema educacional brasileiro para disputar com os melhores centros educacionais do país. 


Nominuto.com- O senhor está na lista dos 100 cientistas brasileiros mais influentes, publicada, recentemente, pela revista Época, só que na categoria benfeitor. O senhor se considera um benfeitor? 


MIguel Nicolelis - Não, eu sou e sempre fui um cientista. Eu não sabia dessa lista da Época, descobri agora, quando cheguei aqui. O que eu faço é tentar trazer a ciência para outra esfera, que além da ciência feita em laboratório, que eu faço também. Uma ciência que pode trazer um benefício mais amplo para a sociedade, como no caso do nosso projeto, para crianças e mães. A ciência tem um papel transformador muito grande e esse tipo de trabalho é importante também para mostrar o potencial dela como agente transformador.


NM- O senhor também já foi indicado como um dos 50 líderes mundiais da ciência pela revista “Scientific American” e preferiu utilizar essa influência para tornar realidade o sonho do Instituto Internacional de Neurociência de Natal, o primeiro dos 12 pólos científicos que o senhor pretende criar. Por que Natal? Quais as transformações que o senhor acredita que o IINN pode trazer para a cidade? 


MN- A escolha foi para demonstrar a possibilidade de se construir um projeto desse porte fora do eixo Rio-São Paulo, do Sudeste, e demonstrar a potencilidade da região Nordeste para produzir ciência de alto nível e ciência que pode trazer transformação. E a escolha de Natal, que é uma cidade de médio porte, com uma estrutura estabelecida, uma Universidade Federal, a idéia é que poderíamos criar um projeto dessa envergadura. Nós já estamos investindo R$ 80 milhões, provavelmente um dos maiores projetos do Nordeste, se não for um dos maiores do Brasil, e demonstrar que ele pode ter um impacto, tanto científico, mas também social e econômico. O científico nós já começamos, já estamos com trabalho pelo mundo afora, o social, nós já temos mil crianças sendo educadas. Educação científica, que é um dos maiores projetos do Brasil, se não for o maior. E o econômico é o próximo passo. Nós vamos criar um Parque Tecnológico aqui do lado do projeto, que permita que as idéias dos cientistas e toda essa comunidade que nós trouxemos para cá possam trazer retornos econômicos para o Estado.


NM- Que tipo de retorno econômico esse projeto pode trazer para Natal? 


MN- Se, de repente, Natal se transforma no pólo de referência mundial de neurotecnologia, várias empresas vão querer se localizar aqui, próximo ao Instituto. Elas vão empregar pessoas e pagar impostos, e essa arrecadação vai ser toda em benefício do Estado. A idéia é transformar o Estado, no futuro, em um arrecadador de divisas da indústria do conhecimento. E não só basear a economia em matérias-primas, frutas, camarão ou turismo, desse tipo que só chega no hotel e vai embora. Nós queremos agregar um valor às atividades econômicas, muito maior e de penetração no mercado mundial de biotecnologia, de uma forma concreta.


NM- A Zona de Processamento de Exportações (ZPE), especializada em produtos de tecnologia e biotecnologia, no aeroporto de São Gonçalo do Amarante, será importante para isso?


MN- Nós propusemos ao Governo do Estado uma parceria, para o Instituto fazer o desenho desse Parque Tecnológico, dentro dessa ZPE. Estamos esperando resposta para a gente ser o agente, fazer o desenho, essa arquitetura do que poderia ser feito dentro da Zona de Processamento e como a biotecnologia pode ser um componente tornar fundamental. E o curioso é que essa Zona é em Macaíba.


NM- Eles estão querendo transferi-la para São Gonçalo, em função do aeroporto.... mas que seria para biotecnologia.


MN- Essa foi a sugestão que a gente deu, não a transferência. Biotecnologia e basicamente tecnologia biomédica. Ter a ciência como foco. Mas, ainda assim, será fundamental. 


NM- O IINN já atraiu a atenção do ministro da Educação Fernando Haddad e agora do governador da Bahia Jacquies Wagner. Os dois anunciaram pque retendem criar projetos semelhantes. O senhor acha que o caminho do desenvolvimento da ciência é este? Que outras ações o senhor acredita que cabem aos governos fazerem?


MN- Eu acho que a primeira coisa que os governantes, os políticos brasileiros precisam é começarem ter uma visão estratégica do país. O problema nosso é que dado nossa história e toda nossa tradição cultural e econômica, pensa-se muito só no dia a dia, nos pequenos embates políticos do dia-a-dia e não se define uma visão estratégica de país. Eu acho que a ciência, o investimento científico e principalmente em educação científica, ele se insere na visão estratégica do que a gente quer fazer do Brasil e, em especial, do Nordeste. Eu acho que o Nordeste tem todas as condições de sediar o gérmens da indústria do conhecimento brasileiro. Nós já temos o Porto Digital, em Recife, o desenvolvimento pólo digital da universidade de Campina Grande, na Paraíba. Mas, o que eu acho é que essas atividades podem se multiplicar muito rapidamente, e o Instituto é um exemplo disso. Isso aqui foi feito com uma equipe minúscula. A arrecadação desses recursos, que são, na maioria, privados, foi feita com o exercícito de um. Ou seja, se nós tivéssemos comprometimento dos governos dos estados da região e um alinhamento com o governo federal, além de uma visão estratégica, que fosse superior a um mandato político, o Brasil tinha a chance de deslanchar. Essa é uma evolução difícil de acontecer rapidamente porque todo mundo quer tudo para ontem e o Brasil ainda não tem uma visão estratégica. 


NM- O governo do RN anunciou para 2008 a construção da Cidade da Ciência, com estrutura de planetário, observatório, terraço astronômico, laboratórios, memorial, auditório e centro de convivência. O senhor aprova projetos como este?


MN- Eu não tenho o mínimo conhecimento de um projeto como esse. Ouvi pela imprensa, mas, eu nunca fui consultado. E acho até estranho porque essa não é uma Cidade da Ciência, é uma estrutura muito pequena, um investimento pequeno de cerca de R$ 5 milhões ou R$ 6 milhões. Nós temos uma verdadeira Cidade da Ciência, que se não formos fazê-la no Rio Grande do Norte, faremos em outro estado. Mas, como não conheço esse projeto, é até difícil comentar.


NM- Por falar em governo, o senhor tocou nessa questão de que o Brasil não tem uma visão estratégica. Como o senhor avalia o governo Lula, principalmente, para área da ciência? 


MN- Eu acho que tem havido avanços muito importantes. Particularmente, o Ministério da Educação tem uma visão muito progressista, avança. O Plano de Desenvolvimento da Educação é uma grande mudança, eu espero que ele seja levado a termo, como o ministro Fernando Haddad planeja, porque eu li o projeto inteiro. Eu acredito que o maior investimento estratégico que o Brasil precisa fazer é na formação de gente. Nós precisamos de um grande PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) Humano. Acho que esse é o primeiro, mais importante do que qualquer porto ou rodovia. Nós precisamos formar gente, pensadores críticos; nós precisamos educar pessoas que queiram transformar o Brasil, para serem líderes do país que a gente quer construir e não para serem passivos. 


O nosso sistema educacional educa as pessoas a decorar e responder o que o professor quer ouvir, não educa para desafiarem o paradigma, o dogma, o poder constituído. Nós precisamos de sonhadores, um exército de milhões de crianças que queiram um país diferente, porque do jeito que está, não tem como ir. Precisa de mudanças estruturais fundamentais, mas precisa apostar nos jovens, naqueles que nem nasceram. Eu sempre falo isso. E a educação de alta qualidade para todas as crianças do Brasil, em busca de talento, incentivo ao trabalho criativo, ao trabalho que revoluciona, em qualquer área. É essa que tem que ser a nossa meta. Desafiar todos os tabus, os pensamentos coorporativos, e estimular o talento. Essas mil crianças que estamos estimulando. Muito poucas pessoas acreditariam na Cidade da Esperança e,em Macaíba, em uma das piores escolas do país, conseguimos encontrar talento, porque só precisa mostrar que elas são amadas, estimulá-las e mostrar que a escola não é um lugar que você vai passar quatro horas e ficar absolutamente desesperado para sair de lá. A escola tem que ser o lugar onde você quer estar o tempo inteiro.


NM- Agora, vamos às suas pesquisas. As pessoas não entendem muito bem como funciona o Instituto. Tem uma participação da Universidade? Como a sociedade participa?


MN- Nós temos um grande convênio com a Universidade Federal, mas, aqui não é a Universidade. No mundo inteiro, pesquisa não se faz só na Universidade. O Brasil é um dos poucos países do mundo em que as pessoas ficam assustadas quando ouvem que a pesquisa pode ser feita fora da Universidade, mas ela pode ser feita em colaboração. Então, nós temos uma colaboração. Os pesquisadores que nós temos são da Associação Alberto Santos Dumont para apoio à Pesquisa (AASDAP), que trabalham no Instituto de Neurociência. Nós temos estudantes que são da Universidade Federal, bolsistas do CNPq, que têm bolsa, mas que fazem pesquisa aqui. Porém, essa é uma entidade eminentemente privada, sem fins lucrativos, que tem uma parceria com a Universidade para construir uma infra-estrutura de pesquisa, onde, evidentemente, os pesquisadores da UFRN são muito bem-vindos. A população tem acesso via escolas, via nossa clínica materno infantil, que vai abrir no final de fevereiro, e também nós vamos ter escola regular de tempo integral, que espero começar com cerca de mil crianças (ela vai ter um total de cinco mil). Essa escola já tem recursos garantidos pelo Ministério da Educação, no valor de R$ 42 milhões, que prevê a construção em 22 meses. Nós vamos começar e, espero que no final de 2009 ela possa estar funcionando. 


Mas, eu também tenho uma vontade muito grande, e vou atrás de apoio para construir uma maternidade, porque aqui em Natal as mulheres não têm onde dar a luz por falta de leitos de maternidade. Então, o que eu quero é que a clínica acompanhe essas mães durante a gestação, que elas tenham a maternidade onde possam dar a luz e, naquele momento, aquelas crianças serão matriculadas na nossa escola regular. Ter uma bolsa para todas elas, estudo garantido, se passarem de ano, até o final do Ensino Médio. A nossa idéia é criar estruturas como esta por todo o Estado, se nós tivermos, evidentemente, o apoio do poder público porque sozinho não dá para resolver o problema do País inteiro. Mas, é um projeto que tem condições de tirar o Rio Grande do Norte do último lugar no sistema educacional brasileiro, para disputar com os melhores centros educacionais do país. 


NM- O senhor é responsável pela descoberta de um sistema que possibilita controlar neuropróteses por meio de sinais cerebrais, o que é a esperança para pessoas que sofrem de deficiências físicas e doenças degenerativas. Como estão essas pesquisas? Elas já têm tido bons resultados com primatas? E quais as chances de funcionar com seres humanos?


MN- Estou muito otimista porque os últimos estudos nossos mostram bons resultados. Nós já temos, lá nos Estados Unidos, preliminares com 28 pacientes que nós não publicamos ainda, mas, a análise está revelando uma perspectiva muito boa. Nós firmamos uma parceria com a minha Universidade, de Duke, com o hospital Sírio Libanês, em São Paulo, e nós queremos agora, no final de 2008 e início de 2009, trazer os primeiros estudos em comparação com adultos. Nós já tivemos neurocirurgiões americanos que vieram paro o Sírio e neurocirurgiões brasileiros que passaram um dias em Duke, vendo as cirurgias. E nós já temos uma equipe que vai estudar esse projeto clínico no final de 2008. A minha esperança é que o primeiro ser humano a ser beneficiado com essa tecnologia seja um brasileiro. 


NM- O senhor é um dos brasileiros mais cotados para ganhar o prêmio Nobel, mas já disse algumas vezes não se importar com isso. Qual seria o Nobel para você?


MN- Para mim, pessoalmente, seria ver essa rede de institutos funcionando no Brasil e um milhão de crianças participando dessa experiência educacional. Ver o Brasil finalmente encontrar o seu destino e ser o país que a gente sempre sonhou. E se eu puder, de alguma maneira, participar disso, não há prêmio Nobel que pague. 


NM- Agora, vamos encerrar falando sobre uma das suas maiores paixões. O que o senhor está achando do futebol brasileiro? O que achou dos escândalos que envolveram o Corinthians, no ano passado? E, com Luxemburgo, o Palmeiras volta a ganhar um título, finalmente?


MN- O futebol é uma paixão de todos nós, mas ele é muito mal regido; o lado negro do futebol brasileiro é muito triste. Mas, isso não quer dizer que eu não tenha ficado absolutamente satisfeito, pois vou poder assistir ABC e Corinthians aqui, ou América/RN e Corinthians. Todos os corinthianos da AASDAP vão receber tickets grátis, lá em São Paulo, para vir assistir o jogo aqui porque vai ser um grande clássico. Eu espero estar presente, torcendo para o ABC, apesar de meu time, aqui, ser o Alecrim. E o Palmeiras, é esse ano.

Cientistas identificam áreas do cérebro ligadas à fé religiosa


ciência da fé

Reinaldo José Lopes
A ciência provavelmente não é capaz de provar se Deus existe ou não existe, mas a fé religiosa, pelo visto, é bem real -- ao menos em seus efeitos sobre o cérebro. Pesquisadores americanos estudaram o órgão em ação e conseguiram mapear as regiões cerebrais que entram em atividade quando alguém pensa em Deus, no conteúdo de uma determinada doutrina religiosa ou nas cerimônias ligadas à sua fé.
Foto: David Brunner e Klaas Pruessmann/Divulgação

Imagem de ressonância obtida de cabeça e torso

A pesquisa, coordenada por Jordan Grafman, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, está na edição desta semana da revista científica "PNAS". A primeira conclusão da equipe é que não existe nenhum "órgão divino" especializado no cérebro. Para processar informações, sensações e emoções ligadas à religião e à crença em Deus, as pessoas utilizam regiões do cérebro que também servem para outras funções do dia-a-dia mental.
Isso vale, por exemplo, para quando os voluntários tinham de imaginar Deus relativamente distante do mundo e das pessoas, sem se envolver com os assuntos terrenos; Deus enraivecido e Deus amoroso. Em todas essas situações, as áreas do cérebro que ficaram ativas, de acordo com exames de ressonância magnética, tinham a ver com a chamada Teoria da Mente. A Teoria da Mente é uma propriedade mental humana que tem a ver com a detecção de emoções e intenções em outras pessoas ou seres. É a capacidade que você usa para imaginar por que um amigo ou um parente ficou bravo com você por algum motivo, por exemplo. Nesse caso, os voluntários estão pensando num agente sobrenatural (Deus) como se ele tivesse uma mente como a de outros seres humanos.
Da mesma forma, áreas cerebrais tipicamente associadas com o raciocínio abstrato, a memória e a fala "acenderam" quando as pessoas tinham de pensar em dogmas de sua religião, enquanto regiões associadas com o processamento sensorial ficavam ativas quando a pessoa tinha de pensar em rituais religiosos. Assim, para o cérebro, decorar informações sobre a Santíssima Trindade não seria muito diferente de aprender uma equação matemática, e assistir a uma missa seria parecido com ir ao teatro, por exemplo.
Os pesquisadores ressaltam que a pesquisa foi feita exclusivamente com cristãos ocidentais. A religiosidade de pessoas de outras partes do mundo pode envolver aspectos cognitivos diferentes.

segunda-feira, 23 de março de 2009

segunda-feira, 9 de março de 2009

O espetáculo do eu


A intimidade está à vista de todos: do Orkut aos reality shows, do You Tube aos fotologs, e é cada vez mais habitual que pessoas do mundo inteiro exponham sua vida privada por meio de fotografias, relatos e vídeos. Qual o sentido destas práticas contemporâneas?
por Paula Sibilia
OLHO DE JOVEM MULHER, 1844, ÓLEO SOBRE TELA DE JOSEPH SACCO/THE MANIL FOUNDATION, TEXAS

Ao longo da última década, a internet passou a hospedar um conjunto de práticas “confessionais”. Milhões de usuários do mundo inteiro se apropriam de diversas ferramentas disponíveis on-line e as utilizam para exibir sua intimidade. Dia após dia, com a velocidade do tempo real, tanto os detalhes mais saborosos como os mais inócuos de sua vida são expostos nas telas interconectadas da rede global de computadores. Assim, os assuntos mais íntimos de qualquer um se derramam em blogs e fotologs, por meio de webcams sempre ligadas ou em sites como YouTube, Orkut, MySpace, Twitter e Facebook.

Trata-se de um verdadeiro festival da vida privada: imagens e relatos que se oferecem sem pudor algum diante dos olhares sedentos de todos aqueles que desejarem dar “uma olhada”. A tendência é bem atual e, de fato, excede as margens da web para inundar todos os meios de comunicação. Basta pensar no sucesso dos reality shows e dos programas de TV que ventilam toda sorte de dramas pessoais, ou no sucesso de vendas das revistas de celebridades e mesmo das biografias, tanto no mercado editorial como no cinema.

Por que tudo isto, que parece tão fútil, é digno de atenção? O fato é que essa súbita insistência em exibir retalhos de intimidades próprias e alheias é inédita: nestas novas práticas, o espaço público e a esfera privada se misturam de uma forma jamais vista. Cabe lembrar que, até pouco tempo atrás, esses dois âmbitos da existência eram opostos e irreconciliáveis, considerados mutuamente excludentes. Mas agora vemos como as telas eletrônicas revelam, sem recato algum, todos os detalhes de qualquer vida. E não se trata apenas de um intenso desejo de se mostrar; há também cada vez mais pessoas dispostas a consumir avidamente esses relatos, fotografias e vídeos.


© FABRÍCIO MOTA/TV GLOBO
Participantes do Big Brother Brasil 9, exibido pela Rede Globo: campeão de audiência


No entanto, parece haver uma contradição neste fenômeno. Como é possível que os novos diários íntimos – pois é assim que são definidos habitualmente os blogs, por exemplo – se exponham diante dos milhões de olhos que têm acesso à internet? Seria essa exibição pública da intimidade um detalhe sem importância, que não altera a essência do velho diário íntimo em sua atualização cibernética? Ou se trata de algo radicalmente novo?

A rigor, todo esse murmúrio de confidências que emana dessas palavras e imagens parece ser mais “éxtimo” do que íntimo, para recorrer a um neologismo que procura dar conta da novidade. Porque embora existam muitas semelhanças entre os blogs atuais e os diários tradicionais – aqueles que proliferaram nos séculos XIX e XX –, também são enormes as diferenças entre os dois gêneros autobiográficos. Aqueles caderninhos rascunhados no silêncio e na solidão dos ambientes privados de antigamente, muitas vezes sob a luz das velas e envolvidos no mais respeitável dos segredos, tinham uma missão: resguardar todas as dobras daquela sensibilidade típica da modernidade industrial. Eram ferramentas que serviam para que esses sujeitos históricos tentassem se compreender: ajudavam-nos a criar seu próprio eu no papel. Já os blogs, os fotologs e as webcams de hoje, bem como certos usos do YouTube, do Orkut ou do Facebook respondem a outros estímulos e têm metas bastante diversas. Expressam características subjetivas bem atuais e servem a propósitos igualmente contemporâneos. Mas quais seriam essas peculiaridades e esses objetivos específicos? Trata-se de uma pergunta que vale a pena formular, porque a busca de respostas também pode nos orientar rumo à compreensão dos sentidos desses novos hábitos.

PARA SER ALGUÉM
Os antigos diários íntimos eram, para seus autores, cartas remetidas a si próprios. Eram textos extremamente privados, introspectivos e secretos, pois permitiam mergulhar na própria interioridade. Possibilitavam um afundamento em toda a riqueza e na misteriosa densidade da vida interior de cada um, a fim de decifrar tudo aquilo que se hospedava em suas recônditas profundezas. Já os novos diários éxtimos da internet são verdadeiras cartas abertas. Por isso, parece evidente que tanto seus propósitos como seus sentidos são outros. A própria definição muda, pois em vez de apontar para “dentro” de cada um, os novos meios de expressão e comunicação se voltam para “fora”, buscando conquistar a visibilidade e a celebridade.



O grande irmão, de Orwell: exemplo de vigilância constante


Centrando o foco da análise nessa pequena grande diferença, cabe deduzir que nos exercícios cotidianos de autoconstrução via web se desenvolvem subjetividades afinadas com uma cultura bem diferente daquela que imperava nos séculos XIX e XX. Em mais de um sentido, estamos nos afastando daqueles tempos modernos de outrora, que já estão ficando envelhecidos. Pois agora, contrariamente ao que acontecia naquelas épocas já longínquas, novas forças incitam a fazer do próprio eu um show.

Como resultado dessas convulsões, a nossa idéia de intimidade também está mudando. Esse termo costumava aludir àqueles âmbitos da existência que se conheciam, de maneira inequívoca, como “privados”. Uma definição que, até bem pouco tempo, parecia tão óbvia e sem fissuras. No entanto, é cada vez mais evidente que alguma coisa mudou, e que são inúmeras as repercussões dessa transformação. Essas mudanças não são fruto exclusivo dos avanços tecnológicos que hoje nos permitem realizar façanhas antes impensáveis, mas resultam também – e, talvez, sobretudo – de certas redefinições no que tange aos nossos valores e crenças, além de contemplar múltiplos fatores de ordem sociocultural, política e econômica.

Em virtude de todos esses abalos, cujos efeitos foram se consolidando por toda parte nos últimos anos, em vez de se apresentar como o reino do segredo e do pudor, hoje o espaço íntimo se converte numa espécie de cenário onde cada um deve montar o espetáculo de sua própria personalidade. Junto com essas redefinições, alargam-se compulsivamente os limites do que se pode dizer e mostrar. Seja com receio ou com prazer, mas quase sempre com certo espanto, hoje vemos como a velha esfera da privacidade se exacerba sob a luz de uma visibilidade que se deseja total.

Entre outros motivos, isso se dá porque essa visibilidade promete nos conceder a tão prezada celebridade. E, por si mesmas, essas condições parecem capazes de legitimar a existência daqueles que conseguem conquistá-las: ser visto e ser famoso equivale, cada vez mais, a ser alguém. Mesmo que não exista motivo algum para estar à vista de todos, e embora essa celebridade não tenha nenhum sentido exterior a ela própria. Assim, em virtude dessas transmutações, em anos recentes, a espetacularização da vida privada mais banal tem se tornado habitual – e desejável. E, como diria Guy Debord – autor do “profético” manifesto A sociedade do espetáculo, publicado há mais de quatro décadas -–, segundo esta nova lógica, o espetáculo se torna tautológico. Se algo aparece nos meios de comunicação é porque é bom. Mas por que é bom? Porque aparece nas telas midiáticas. E vice-versa, e só isso.

Pois já não é mais necessário ter feito algo extraordinário para ter acesso ao cobiçado pódio da fama, nem sequer dispor de alguma qualidade peculiar ou algum conhecimento valioso. Hoje, praticamente todos temos à nossa disposição um arsenal de técnicas para estilizar a personalidade e as experiências vitais. Além de aplicar esses recursos cotidianamente, para aprimorar a própria imagem, é preciso projetar de forma adequada os resultados dessa auto-estetização, a fim de nos posicionarmos do melhor modo possível no competitivo mercado das aparências e atrair os olhares alheios. As receitas mais eficazes para obter sucesso nessa espetacularização de si provêm dos moldes narrativos e estéticos que aprendemos ao longo das últimas décadas, tanto no cinema como assistindo televisão e consumindo publicidade, e que agora se recriam e desdobram nos novos gêneros interativos da web.

A noção de intimidade não é a única que se esvanece nesse turbilhão de mudanças. Perdem nitidez, também, as fronteiras que costumavam dividir aqueles dois tipos de espaços onde transcorria a existência moderna: a esfera pública e o âmbito privado. As paredes que os separavam, e que eram sólidas e opacas, desempenhavam papel fundamental na elaboração do eu moderno. Nesse processo cotidiano de autoconstrução, os diários íntimos podiam servir como uma útil ferramenta. Agora, porém, quando esses muros apresentam frestas que deixam infiltrar os olhares alheios, esse tipo de instrumento perdeu a sua utilidade. Porque hoje são outros os modelos subjetivos que se criam e se expõem incansavelmente nos monitores interconectados pelas redes globais; e, portanto, deverão ser outras as ferramentas adequadas para atingi-los.

Por isso aumentou tanto a quantidade de pessoas que recorrem à internet para experimentar, ensaiar e brincar, testando novas formas de ser alguém – e se relacionar. Nos jogos que se desenvolvem nesses reluzentes cenários virtuais surgem estilos cada vez mais distantes do paradigma moderno do “homem sentimental”, por exemplo. Ou seja, aquele sujeito tipicamente oitocentista, que cultivava seus segredos íntimos para construir seu eu em torno de um eixo situado “dentro” de si mesmo, uma essência afincada na própria interioridade, nesse âmago cuja obscura solidez era capaz de defini-lo por inteiro.

Em contraste com essas vertentes mais antigas, os novos gêneros autobiográficos anunciam outros modos de ser. Formas subjetivas que resultam mais adequadas ao mundo contemporâneo, um ambiente que já não é mais aquele universo da modernidade industrial. Em lugar daquela subjetividade interiorizada, que se engendrava no silêncio e na solidão dos velhos ambientes privados, agora se desenvolvem formas de ser mais “exteriorizadas” e compatíveis com nosso meio.

Tudo ocorre como se estivesse se deslocando, paulatinamente, o eixo em torno do qual cada sujeito elabora seu eu. Nascem, assim, entre nós, subjetividades bem menos concentradas na “vida interior” e mais voltadas para o campo do visível. Esses novos sujeitos, tão contemporâneos, crêem que devem ser capazes de mostrar o que eles são na própria pele e na luz das telas.

SUJEITOS HISTÓRICOS
Não se trata de meras futilidades sem importância, pois tais habilidades são cada vez mais imprescindíveis para poder lidar adequadamente com os demais e para obter sucesso nos diversos mercados da atualidade. Esses novos “modos de ser” que hoje se configuram, assim treinados no dia-a-dia das telas e dos teclados, são mais úteis e produtivos na hora de saciar as demandas da nossa sociedade.

Não é fácil adivinhar para onde apontam estas tendências, pois se trata de uma transição que está em pleno andamento. Um fenômeno cujo desenvolvimento é extremamente veloz, e seu caminho não só está repleto de metamorfoses constantes, mas também de contradições e surpresas. Embora ainda persistam várias características daqueles modelos tipicamente modernos, são muitos os indícios que sugerem esse deslocamento do núcleo em torno do qual as subjetividades se constroem. Um deslocamento nos próprios eixos do eu. Assim, cada vez mais, a verdade sobre cada um de nós abandona aquele núcleo secreto e íntimo – onde se refugiavam as subjetividades interiorizadas dos séculos XIX e XX .

Por isso, em vez daquele olhar introspectivo dos velhos diários íntimos e todo o universo da cultura letrada em geral, agora se estimula o espetáculo do eu. E, para responder com eficácia a essas demandas é necessário colocar em ação uma série de habilidades vinculadas com as linguagens midiáticas. Em vez de nos buscarmos apontando para “dentro”, agora somos intimados a ir para “fora”.

Graças aos recursos oferecidos pela web e outros meios de comunicação que se tornam cada vez mais audiovisuais e interativos, as novas construções pessoais podem ser exibidas nas telas globais. E é desse modo que este novo tipo de eu se realiza. Porque em nossa sociedade do espetáculo só é aquilo que se vê, e por isso é necessário aparecer para que os olhares alheios confirmem a própria existência. Trata-se daquilo que se espera de nós: é o nosso modo de ser contemporâneo.



CONCEITOS-CHAVE
- Os antigos diários íntimos eram cartas remetidas pelos autores a si próprios; Já os blogs são verdadeiras “cartas abertas”.

- O deslocamento dos eixos do eu faz com que o núcleo secreto e íntimo onde se refugiavam as subjetividades passe a priorizar a exibição de si e do outro.

- Atualmente, a esfera da privacidade se torna extremamente visível, como se a visibilidade garantisse a tão prezada celebridade, legitimando existências. Ser visto e ser famoso equivale, cada vez mais, a ser alguém.


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O silêncio dos Astros

Quando analisados por métodos científicos, horóscopos e mapas astrais parecem fórmulas genéricas, aplicáveis a qualquer pessoa. A longevidade e a popularidade da astrologia se devem a mecanismos psicológicos que a tornam atraente e verossímil para um grande número de pessoas por Edgar Wunder
REZA ESTAKHRIAN/STONE/GETTY IMAGES



Será que os astros realmente influenciam nossa personalidade e nosso destino? Muitas pessoas acreditam que sim. Outras tantas não estão muitas preocupadas com a veracidade das previsões astrológicas, mas tampouco ficam indiferentes ao próprio mapa astral ou deixam de checar o horóscopo nos jornais, na internet. Uma pesquisa feita na Alemanha, em 2001, mostrou que três em cada quatro pessoas fazem isso esporadicamente, e uma em cada três, diariamente.

O horóscopo tradicional se baseia numa lógica bastante simples: as pessoas pertencem a um dos doze signos do zodíaco, de acordo com sua data de nascimento. Devido a um erro amplamente difundido, acredita-se que cada signo está associado a uma constelação celeste. Especialistas, no entanto, rejeitam essa idéia; os signos apenas correspondem a períodos determinados do calendário, numa divisão geométrica do céu em 12 setores, totalmente independentes das constelações do firmamento, cuja coincidência de nomes é resultado de acontecimentos históricos, totalmente superados.

Muitos astrólogos, de fato, não dão tanta importância a essa divisão do zodíaco em 12 signos, cada qual supostamente ligado a um tipo de personalidade. A maioria prefere trabalhar com mapas astrais e horóscopos individualizados, calculados com base no local e na hora exatos em que a pessoa nasceu. Mesmo assim, para o público leigo, o lado mais atraente da astrologia é essa tipologia comportamental, segundo a qual os escorpianos são vingativos os capricornianos ressentidos e os librianos, indecisos, por exemplo. Para os psicólogos que se dedicam ao assunto, as previsões astrológicas parecem dar sentido à vida de muitas pessoas, causando a espantosa impressão de que são verossímeis.


© AKIRA FUJII
CONSTELAÇÃO DE SAGITÁRIO: coincidências entre terminologia astrológica e astronômica têm raízes históricas, hoje completamente superadas



O papel de cientistas, como eu, não é rejeitar essas idéias, mas avaliá-las criticamente, levando em conta, até mesmo, que elas possam ser verdadeiras. Foi assim que o psicólogo alemão Martin Reuter, da Universidade de Bonn, e seus colegas dinamarqueses Peter Hartmann e Helmuth Nyborg, da Universidade de Arhus,investigaram, em 2005, a relação entre signo zodiacal e personalidade em cerca de 15 mil pessoas. Seus resultados mostraram, tal como outros estudos anteriores, que não havia correlação comprada entre as duas variáveis.

Mas por que, então, a astrologia é tão popular? Há 20 anos, a psicóloga alemã Hannelore Seelmann-Holzmann já dizia, em sua tese de doutorado na Universidade de Erlangen-Nuremberg, que a “lógica dos astros” funciona, para muitas pessoas, como um sistema de subsignificação do racionalismo. Segundo ela, não se trata de ignorar a contradição em relação aos sistemas de significação que regem as ciências naturais; ao contrário: as convicções astrológicas são complementares à visão racional do mundo.

Por não representar uma doutrina dogmática associada a nenhuma instituição (ligadas a religiões, por exemplo), cada pessoa pode adaptar o conhecimento astrológico conforme suas próprias experiências individuais e visão de mundo.

© VLADM/SHUTTERSTOCK
O PSICÓLOGO AUSTRALIANO Geoffrey Dean descreve mecanismos psíquicos que podem aparecer em estudo de mapas astrais

Eu mesmo descobri, numa pesquisa que realizei, em 2002, com 135 astrólogos alemães, que apenas 18% desses profissionais realmente acreditavam na influência dos astros no destino humano. Para minha surpresa, alguns me disseram abertamente que a astrologia funcionaria como uma “ficção útil”. Segundo o astrólogo alemão Christopher Weidner, a ciência contemporânea não permite mais que esses profissionais usem velhas desculpas, como a de que os astros indicam tendências, e não fatos específicos.

Como indicam alguns estudos, aqueles que recorrem a uma aproximação mais elaborada ou “amadurecida” com a astrologia podem ir bem além da simples crença e fazer com que a influência dos astros seja percebida mais como uma experiência subjetiva de coerência. Alguns psicólogos costumam chamá-la de experiência de evidência, relacionando-a ao horóscopo pessoal ou à caracterização de personalidade. Já as previsões muito específicas são vistas com mais reservas. Nada impede, porém, que com base em padrões de comportamento se trace – independentemente dos astros – algumas hipóteses para o futuro. Uma característica fundamental das experiências de evidência é que elas variam na forma como são percebidas e vividas pela pessoa. Enquanto para algumas elas são comuns ou até rotineiras, para outras podem ser raras e intensas.

Como nós, pesquisadores, explicamos as experiências de evidência? Primeiramente, elas não são expressão de credulidade ou de imaginação. No início dos anos 90, o psicólogo australiano Harvey Irwin, da Universidade de Nova Gales do Sul, em Armidale, publicou uma série de estudos que demonstrou que os simpatizantes da astrologia são tão inteligentes, críticos e psicologicamente saudáveis como qualquer outra pessoa. Entretanto, revelaram-se um pouco mais criativos que a média.
BIBLIOTECA BRITÂNICA, LONDRES


Além disso, pela forma como os horóscopos são redigidos, qualquer um que os leia com relativa imparcialidade pode perceber uma coincidência entre a previsão e algum aspecto da própria vida. Como comprovei em uma pesquisa feita com 1.700 voluntários, publicada em 2002 quase todos que rejeitaram a astrologia tinham em comum o fato de nunca terem se dedicado a estudar o assunto. Em compensação, entre os que se aprofundaram um pouco no tema, praticamente todos já tinham passado por experiências de evidência.
Em um artigo de 1998, o psicólogo australiano Geoffrey Dean descreve pelo menos três dúzias de mecanismos psíquicos cuja efetividade foi comprovada em estudos com horóscopos e mapas astrais. O mais freqüente e o mais discutido é o efeito Barnum. O nome é uma referência ao ator circense americano Phineas T. Barnum (1810-1891) que acreditava que o segredo do sucesso é “agradar todo mundo, pelo menos um pouco”.

EFEITO BARNUM
O psicólogo americano Bertram R. Forer estudou o efeito Barnum pela primeira vez em 1948. Ele pediu a seus alunos que avaliassem o quão preciso era um texto astrológico que descrevia sua personalidade – o qual, em vez de ser uma análise feita por um profissional, apresentava uma compilação de informações coletadas em horóscopos de jornal. Os alunos atribuíram uma pontuação a esse “relatórios”, seguindo uma escala de 0 (nada preciso) a 5 (extremamente preciso). Espantosamente, a média ficou em 4,2. Mais tarde, Forer e outros pesquisadores repetiram o experimento e chegaram praticamente ao mesmo resultado. Afirmações vagas, genéricas ou ambíguas foram as que tiveram pontuações mais altas.

Depois de Forer, outros cientistas também demonstraram que quanto mais as pessoas acreditam em astrologia, mais elas tendem a concordar com afirmações do tipo Barnum. O psicólogo austríaco Andreas Hergovich concluiu, com base em muitos experimentos, que esse efeito pode ser associado a praticamente qualquer característica ou acontecimento, sendo capaz até de harmonizar informações contraditórias. Assim, qualquer previsão astrológica pode soar absolutamente pertinente.

Outro mecanismo capaz de gerar experiências de evidência é a chamada pseudo-individualização. Em 1973, o psicólogo americano Rick Snyder, da Universidade do Kansas, em Lawrence, deu a três grupos de voluntários textos astrológicos idênticos, que supostamente descreviam a personalidade de cada um. Ao primeiro grupo ele explicou previamente que se tratava de uma descrição genérica da personalidade, que poderia se aplicar a qualquer pessoa. Ao segundo grupo, disse que o texto se baseava em uma interpretação astrológica de seu ano e mês de nascimento. Aos participantes do terceiro grupo, contou que aquele seria um mapa astral feito individualmente a partir da hora e do dia exato de nascimento de cada voluntário. Apesar de todos terem recebido o mesmo material, as interpretações variaram enormemente. Segundo a avaliação média do grupo 1, o conteúdo não cabia avaliação segundo critérios de certo ou errado, uma vez que se tratava de um texto genérico. Para o grupo 2, as informações estavam relativamente corretas. Já o grupo 3 considerou praticamente tudo absolutamente certo. Isso significa que quanto mais (pseudo)individualizada é a apresentação da previsão astrológica, maior é a identificação do receptor.

Um terceiro fenômeno que faz com que os horóscopos e mapas astrais pareçam convincentes é conhecido como erro de atribuição, isto é, a tendência de buscar motivos para um certo comportamento em características instáveis de uma pessoa. Isso mostra que, em determinadas situações, todo indivíduo se comporta de forma emotiva, teimosa ou egocêntrica se for do signo de peixes, touro ou câncer, respectivamente. Então se um taurino se mostrar insistente, quem acredita em astrologia costuma justificar tal atitude pelo signo ascendente dele – sem considerar, porém, se o pisciano ou o canceriano teriam agido da mesma forma nas mesmas circunstâncias.

Além disso, toda vez que somos expostos a uma afirmação, a tendência natural imediata é concordar com ela. A maioria das pessoas raramente se esforça para refutar uma tese. Quando isso ocorre junto com o erro de atribuição, surge, quase obrigatoriamente, uma experiência de evidência. Assim, se tivermos em mãos uma interpretação astrológica da personalidade, o mais fácil é encontrar comportamentos aplicáveis – e, de fato, acreditamos encontrá-los, ainda que nos esqueçamos de verificar se pessoas de outros signos teriam se comportado da mesma forma em situação similar. Assim, muitas vezes, quando sabemos que um colega é aquariano, por exemplo, buscamos nele as características típicas desse signo, como o idealismo e o amor pela liberdade, em vez de traços típicos de capricórnio, como a preocupação com a opinião alheia e o senso de responsabilidade (algo que provavelmente seria possível encontrar). A isso se soma a tendência de perceber nossas expectativas e convicções de forma seletiva. Assim, quem crê na astrologia está mais propenso a registrar com maior freqüência declarações falsas como verdadeiras.

Em 1997, fui conselheiro científico do programa Quark&Co, da emissora de televisão alemã WDR. Em um dos episódios, realizamos um experimento com 200 pessoas, recrutadas por meio de anúncios de jornal, para um projeto de “pesquisa astrológica”. Todos os participantes receberam exatamente o mesmo mapa astral, com a informação de que ele teria sido elaborado sob medida para cada um. Os resultados mostraram que três quartos dos indivíduos se sentiram bem descritos. O que ninguém sabia é que o mapa astral havia sido elaborado com as informações de nascimento de Friedrich Haarmann, um criminoso que nascera em 1879! Teste semelhante já havia sido feito nos anos 50 pelo psicólogo e estatístico francês Michel Gauquelin, que usara informações de um serial killer.

ALTA PROBABILIDADE
A probabilidade de que certas afirmações estejam corretas é outro fator subestimado pelos simpatizantes das previsões astrológicas. Lembro-me de quando participei, no início dos anos 90, de um evento em que uma astróloga me disse que “sentia” em meu mapa astral (desconhecido por ela) “um Mercúrio especialmente acentuado”. Então, perguntei como isso se expressaria em meu mapa e ela disse que o sol, o ascendente ou a lua poderiam estar em gêmeos ou virgem, ambos regidos por esse planeta. Ou o próprio Mercúrio estaria nesses signos, no ascendente ou no centro do céu, ou criaria ainda um aspecto importante junto com outro planeta. Provavelmente a astróloga não sabia que a probabilidade de ocorrência de alguma dessas configurações é maior que 80%. O número dos elementos interpretativos é tão grande que, no fim das contas, é possível encontrar qualquer traço de personalidade em praticamente todo mapa astral.

Mas será que realmente toda experiên-cia de evidência pode ser totalmente atribuída a mecanismos psicológicos? Para checar essa hipótese, pesquisadores compararam sistematicamente mapas astrais com datas de nascimento corretas e incorretas. Se ambos levassem ao fenômeno na mesma intensidade e freqüência, então sua ocorrência não teria relação alguma com a data de nascimento e a posição dos astros. Foi exatamente esse o resultado de inúmeros estudos, entre eles, um de 2003, para o qual convidei 26 astrólogos e 1.700 voluntários. Os profissionais não conseguiram descobrir qual, entre duas datas de nascimento, era a correta para uma determinada pessoa, apesar de terem perguntando anteriormente tudo o que queriam aos participantes, exceto o dia em que nasceram. Inversamente, os indivíduos também não conseguiram definir qual das duas interpretações astrológicas oferecidas fora feita especificamente para eles.

Resultados como esses foram confirmados por outras investigações, algumas delas concebidas e executadas por astrólogos. O australiano Geoffrey Dean, por exemplo, ficou tão desiludido que abandonou a atividade, e desde então já analisou mais de 50 pesquisas semelhantes. Sua conclusão: o índice de acerto de seus ex-colegas não é maior que o de um gerador aleatório de respostas.

Contudo, nada disso impede que muitos astrólogos, em busca de credibilidade, tentem se associar à ciência, invariavelmente sem sucesso. Muitos citam como referência o suíço Carl Gustav Jung, criador da psicologia analítica, que teria dito: “A astrologia moderna se aproxima mais e mais da psicologia e já se pode ouvi-la batendo nos portões das universidades!”.

CONCEITO-CHAVE Diversos estudos mostram que não há qualquer associação estatística entre personalidade e o perfil astrológico atribuído a cada um dos 12 signos do zodíaco. O mesmo se aplica aos mapas astrais e horóscopos individualizados.

Diferente das doutrinas religiosas, a lógica astrológica é perfeitamente adaptável por cada indivíduo, moldando-se a suas outras crenças, muitas vezes harmonizando informações contraditórias e tornando a visão racional do mundo mais aceitável.

Psicólogos já identificaram uma série de mecanismos psíquicos pelos quais as previsões e interpretações astrológicas parecem verdadeiras e confiáveis para muitas pessoas. Alguns exemplos são o efeito Barnum, a pseudo-individualização e o erro de atribuição. Todos eles contribuem para que a astrologia seja vista por muitos
como algo verossímil.

A REFORMA DE GAUQUELIN
DIVULGAÇÃO

O psicólogo e estatístico francês Michel Gauquelin (1928-1991) é uma referência obrigatória para todos os interessados na validade científica da astrologia. Seu primeiro livro, A influência dos astros, de 1951, faz uma revisão crítica das pesquisas estatísticas nessa área, sugerindo que a configuração do céu no momento de nascimento não era aleatória.

Seus primeiros estudos indicaram posições estatisticamente significativas de alguns planetas em certas áreas: Marte, para atletas; Júpiter, para atores; e Saturno, para cientistas. No entanto, trabalhos posteriores, feitos com maior rigor metodológico, mostraram que essas e outras associações eram bastante duvidosas. Em As bases científicas da astrologia, de 1970, afirma: “É certo que os signos do céu, que assistiram ao nosso nascimento, não têm poder algum de decidir nosso destino, de afetar nossas características hereditárias, ou de tomar parte, ainda que mínina, nos eventos que definem nossa vida”.

Nos últimos anos de vida, Gauquelin propôs uma reforma na astrologia, sugerindo que ela deveria abandonar seus dogmas e suas tradições, adotando um novo modelo que fosse estatisticamente preciso e comprovável, detalhado em seu último livro Neoastrologia, de 1991. Não obstante, muitos astrólogos ainda o citam como se ele tivesse encontrado evidências a favor da astrologia tradicional.

DEUSES, DEMÔNIOS, PLANETAS E ARQUÉTIPOS
MARK GRAVES/SHUTTERSTOCK



Por que haveria uma relação entre a posição dos planetas e a personalidade ou o destino das pessoas? Não parece haver consenso nem mesmo entre os astrólogos. Deuses ou demônios expressariam assim seus desejos, como consta nos documentos mais antigos. Com o afastamento entre astronomia e astrologia, as explicações baseadas nas órbitas dos planetas foram ficando cada vez mais insustentáveis. Hoje se fala menos em influência dos astros, e mais em analogias simbólicas – como se houvesse uma coincidência entre o que ocorre aqui na Terra e lá no firmamento. Também se comenta muito sobre arquétipos, numa clara referência à psicologia junguiana.

Em 2002, uma pesquisa com 135 astrólogos alemães avaliou quais eram suas experiências de evidência com mapas astrais e horóscopos. As respostas abaixo incluem várias explicações:

43% Analogias simbólicas
18% Influência dos astros
12% Mecanismos psicológicos
11% Símbolos arquetípicos
10% Clarividência
3% Acaso
2% Influência de deuses e demônios

PARA CONHECER MAIS The scientific basis of astrology. Michel Gauquelin. Stein and Day Publishers, 1969.

Interação entre extroversão e conhecimento astrológico em estudantes brasileiros. Anna Mathilde Pacheco, Chaves Nagelschmidt e Paulo Roberto Grangeiro Rodrigues. Psicologia – Teoria e Pesquisa, vol. 23, no 3, págs. 305-312, 2007.

O mundo da astrologia – Estudo antropológico. Luís Rodolfo Vilhena. Jorge Zahar, 1990.

Efeito Barnum a ilusão do ser. François Filiatrault. Mente&Cérebro, no 115, págs. 80-81. Dezembro de 2005.