domingo, 21 de março de 2010

Mulher é mais feliz quando reconhece diferenças de gênero



Legado feminista ainda barra aceitação de traços psicológicos inatos, diz cientista


A psicóloga evolutiva Susan Pinker,
da Universidade McGill


APÓS abandonar o feminismo, a psicóloga Susan Pinker adotou um novo olhar sobre as diferenças biológicas que existem entre os sexos. Para ela, o movimento foi bom por ter dado liberdade de escolha às mulheres, mas errou ao afirmar que todas as distinções de gênero eram socialmente construídas. Em seu novo livro, "O Paradoxo Sexual", ela defende que salários de homens costumam ser maiores hoje não por discriminação no mercado, mas porque eles priorizam mais isso.

RICARDO MIOTO

Professora da Universidade McGill, de Montréal, a canadense Susan Pinker segue a mesma linha de pesquisa que seu irmão Steven. Ambos buscam entender a mente humana no contexto da evolução. Em entrevista à Folha, ela conta por que sente pena de Lawrence Summers, reitor da Universidade Harvard que perdeu o cargo acusado de machismo.


 
Seu livro fala sobre mulheres em empregos com bons salários, mas que as afastavam dos filhos, tornando-as infelizes. Por que elas quiseram anonimato?
SUSAN PINKER - Acho que as mulheres que fazem essa escolha ainda estão envergonhadas de não estar agindo como homens. Mas não podemos esperar isso delas. Elas não são homens.

Como assim?
PINKER
- Existe a expectativa, no Ocidente, de que mulheres devem voltar a trabalhar normalmente quando seus filhos ainda são pequenos sem que se sintam mal por isso. Mas essa angústia tem razões biológicas. Se você der liberdade de escolha, mulheres vão querer trabalhar menos enquanto seus filhos forem novos. Na América do Norte e na Europa, entre as empresas que oferecem aos seus funcionários trabalhos em meio período, 89% dos que aceitam são mulheres. Isso oferece às mulheres mais tempo não só para os seus filhos, mas para seus outros interesses.

Ganhar um salário menor é o preço que as mulheres pagam para satisfazer seus sentimentos?
PINKER
- Sim. Fui entrevistada por uma jornalista na Holanda, onde há leis que dizem que, se você quer trabalhar só meio período, não pode ser demitido. A maioria das mulheres na Holanda não trabalham o dia inteiro, tendo filhos ou não. Essa jornalista trabalhava só quatro dias por semana. Ela dedicava as sextas para tocar piano, e achava que não seria feliz sem isso. Então não se trata apenas de cuidar dos filhos, mas também de ter uma vida mais equilibrada. Para as mulheres, a vida não é apenas trabalho, salário e promoções, ao contrário do que pensam muitos homens, que acham que tudo isso vale a pena quando compram um novo carro. Incomoda a muitos deles pensar que outras pessoas estão ganhando mais dinheiro, que moram em um lugar mais legal. São mais competitivos, gostam mais de assumir riscos. Não todos, mas eu diria que 75% dos homens são assim.

Ou seja, não é regra.
PINKER
- Eu sempre deixo claro que cada pessoa é um indivíduo único. Ciência é estatística, pessoas são únicas. Então, quando você estuda ciência, está analisando probabilidades. Sempre existirão exceções. Compare com a altura. Em geral, homens são mais altos, mas existem várias mulheres mais altas do que muitos homens.

Mas ainda existe muita resistência à ideia de que as diferenças entre os gêneros não são apenas socialmente construídas.
PINKER
- As mulheres foram discriminadas por tanto tempo que as pessoas têm uma aversão à ideia de que existe uma diferença natural, biológica. Acham que falar sobre diferenças é voltar a pensar como antigamente, quando, na verdade, não tem nada a ver com discriminação. É bobo ignorar as evidências científicas porque você tem medo do que elas vão dizer.

Mas pode soar como "acabou a festa, todas de volta para a cozinha, os afazeres domésticos"...
PINKER
- Estou muito longe dessa mensagem. O que acontece de bom quando as mulheres aceitam que existem diferenças biológicas naturais é que elas se sentem muito menos isoladas com seus sentimentos. Se ignoramos as diferenças, estamos forçando mulheres a assumir cargos e trabalhos nos quais boa parte delas não serão felizes, talvez como executivas ou engenheiras. Muitas mulheres me disseram: "Graças a Deus você fez esse livro. Eu achava inaceitável aquilo que eu sentia". É difícil para elas gostar de trabalhar com pessoas, mas saber que empregos assim não são tão bem pagos quanto os que envolvem lidar com "coisas", como engenharia. A maioria das mulheres gosta de trabalhos como assistência social, pedagogia, profissões na área de saúde, mas salários nessas áreas costumam ser menores.

Mas, se as mulheres gostam de áreas que pagam menos, não há nada a fazer, então?
PINKER
- Precisamos remunerar melhor as mulheres pelos trabalhos que elas preferem. Ou seja, começarmos a pagar aos professores tanto quanto pagamos aos engenheiros. Muitas mulheres esperam que as suas conquistas sejam reconhecidas sem que tenham de pedir aumentos. E, por isso, têm menos chances de ver os seus salários subindo. Se eu sou um chefe e recebo um homem em meu escritório dizendo "veja o que estou fazendo, eu mereço um salário maior", tenho mais propensão a oferecer um aumento a ele do que a outra pessoa que faz o seu trabalho sem reclamar.

O que a sra. pensava sobre as diferenças de gênero quando era jovem? Leu Simone de Beauvoir?
PINKER
- Sim, claro, como todo mundo naquela época. Estamos em um ponto alto do movimento feminista. Quando eu estava na universidade, no final dos anos 1970 e começo dos 1980, a expectativa era que homens e mulheres fossem idênticos, que nós deveríamos fazer as mesmas coisas, trabalhar a mesma quantidade de horas, no mesmo tipo de emprego, ter o mesmo tipo de vínculo emocional com o trabalho doméstico e com as outras pessoas. Eu acreditava muito nisso, li todos os livros das principais feministas. Foi só quando eu fui trabalhar e quando meus filhos nasceram que percebi que havia um buraco entre a minha abordagem intelectual do assunto e os meus sentimentos.

Então deveríamos agora esquecer "O Segundo Sexo" [livro de Simone de Beauvoir, de 1949, marco do feminismo]?
PINKER
- "O Segundo Sexo" era interessante em sua época, mas está ultrapassado. A ciência avançou muito desde então. Não tínhamos ressonância magnética nem o mapeamento do genoma humano, não sabíamos metade do que sabemos hoje. Hoje estamos entendendo como os hormônios afetam os comportamento humano.

Como foi a experiência da sra. em um kibutz?
PINKER
- Eu tinha 19 anos e fiquei um ano num kibutz porque eu era socialista. Era um lugar interessante para perder noções irrealistas. Existiam trabalhos que a maioria das mulheres não queriam fazer, que exigiam muito esforço físico ou eram perigosos. Existia uma divisão natural de trabalhos por sexo, ainda que os kibutzim tivessem sido planejados para que isso não existisse.

Quando Summers perdeu o cargo em Harvard após dizer que a falta de mulheres em ciência é questão de aptidão, o que a sra. pensou?
PINKER
- Foi assustador, porque eu tinha acabado de decidir escrever o meu livro quando vi o que aconteceu a esse pobre homem. Ele foi atacado simplesmente por comentar as evidências que a maioria das pessoas que trabalham com biologia e antropologia evolutiva vêm dizendo há anos.

LIVRO - "O Paradoxo Sexual"
de Susan Pinker
Best Seller, 402 págs., R$ 42,90

sábado, 13 de março de 2010

Sonho funciona como "aquecimento" para o cérebro, diz médico

Por Benedict Carey
The New York Times
Neva muito. Todos no quintal estão em trajes de banho, como em uma festa: mamãe, papai, o diretor da escola, até mesmo uma ex-namorada. E aquele ali, é o Elvis, perto da "piñata"?

Os sonhos são tão ricos e passam uma sensação tão autêntica que os cientistas há muito tempo concluíram que eles têm um propósito psicológico crucial. Para Freud, o sonho oferecia um playground para a mente inconsciente; para Jung, era um estágio onde os arquétipos da psique interpretavam temas primários. Teorias mais recentes sustentam que os sonhos ajudam o cérebro a consolidar memórias emocionais ou trabalhar para resolver problemas atuais, como divórcio ou frustrações profissionais.


The New York Times
Teorias sustentam que os sonhos ajudam o cérebro a consolidar memórias emocionais ou trabalhar para resolver problemas
UOL CIÊNCIA E SAÚDE
Mas... E se o propósito principal dos sonhos não for nem um pouco psicológico?


Em um artigo publicado no ano passado no jornal Nature Reviews Neuroscience, Dr. J. Allan Hobson, psiquiatra e experiente pesquisador do sono de Harvard, argumenta que a principal função do sono REM (do inglês, rapid eye movement), quando ocorre a maioria dos sonhos, é fisiológica. O cérebro está aquecendo seus circuitos, antecipando as visões, sons e emoções do despertar.

"Isso ajuda a explicar muitas coisas, como por que as pessoas esquecem tantos sonhos", disse Hobson, em entrevista. "É como fazer jogging: o corpo não se lembra de cada passo, mas sabe que se exercitou. Ele foi ajustado. É a mesma ideia aqui: os sonhos estão ajustando a mente para o estado de consciência".

A partir de ideias próprias e de outros, Hobson argumenta que o sonho é um estado paralelo de consciência que opera continuamente, mas é normalmente suprimido durante o despertar. Essa visão é um exemplo importante de como a neurociência está alterando noções sobre as funções cerebrais de todos os dias (ou de todas as noites).

"A maioria das pessoas que estudam os sonhos começa com algumas ideias pré-determinadas de aspecto psicológico e tentam fazer os sonhos se encaixarem nelas", disse Dr. Mark Mahowald, neurologista e diretor do programa de distúrbios do sono do Hennepin County Medical Center, em Minneapolis. "O que eu gosto nesse novo artigo é que ele não faz nenhuma conclusão sobre o que faz o sonho".

O artigo já gerou controvérsias e discussões entre freudianos, terapeutas e outros pesquisadores, incluindo neurocientistas. Dr. Rodolfo Llinas, neurologista e psicólogo da New York University, afirmou que o raciocínio de Hobson era impressionante, mas não a única interpretação fisiológica dos sonhos.

"Defendo que o sonho não é um estado paralelo, mas a própria consciência, na ausência do que entra pelos sentidos", disse Llinas. Ele defende o argumento no livro "I of the Vortex: From Neurons to Self" (MIT, 2001). Quando as pessoas estão acordadas, explicou ele, seu cérebro basicamente revisa suas imagens de sonhos para que se encaixem com o que vê, ouve e sente – os sonhos são "corrigidos" pelos sentidos.

Essas novas ideias sobre os sonhos são, em parte, baseadas em descobertas primárias sobre o sono REM. Em termos evolucionários, o REM parece ser um desenvolvimento recente; ele é detectável em humanos e outros mamíferos e pássaros homeotérmicos. Além disso, estudos sugerem que o REM aparece muito cedo na vida – no terceiro trimestre para humanos, bem antes que uma criança em desenvolvimento tenha experiência ou imagens para preencher um sonho.

Em estudos, cientistas descobriram evidências de que a atividade REM ajuda o cérebro a construir conexões neurais, particularmente em suas áreas visuais. O feto em desenvolvimento pode "ver" algo, em termos de atividade cerebral, muito antes de os olhos se abrirem pela primeira vez – o cérebro em desenvolvimento usa modelos inerentes e biológicos de espaço e tempo, como uma máquina de realidade virtual interna. Os sonhos completos, no sentido usual da palavra, vêm muito depois. Seu conteúdo, de acordo com esse raciocínio, é um tipo de teste grosseiro para o que o dia seguinte pode trazer.

 

Interpretações


Nada disso afirma que os sonhos sejam vazios de significado. Quem se lembra de um sonho vívido sabe que, às vezes, as cenas noturnas estranhas refletem desejos e ansiedades reais: o jovem professor que se vê nu no púlpito; a mulher que foi mãe recentemente diante de um berço vazio, histérica em sua perda imaginária.

Porém, as pessoas podem ler quase tudo dos sonhos que elas memorizaram – e fazem exatamente isso. Em um estudo recente, com mais de mil participantes, pesquisadores da Carnegie Mellon University e Harvard descobriram fortes tendências na interpretação dos sonhos. Por exemplo, os participantes tenderam a atribuir mais significado a um sonho negativo se era sobre alguém de quem eles não gostavam, e mais significado a um sonho positivo se era sobre um amigo.

Na verdade, pesquisas sugerem que apenas 20% dos sonhos contêm pessoas ou lugares que o sonhador encontrou. A maioria das imagens parece ser única para um sonho só.

Cientistas sabem disso porque algumas pessoas possuem a habilidade de observar seus próprios sonhos como espectadores, sem acordar. Esse estado de consciência, chamado de sonho lúcido, é, por si só, um mistério – e importante para místicos. No entanto, é um fenômeno real, no qual Hobson encontra forte respaldo para seu argumento defendendo os sonhos como um aquecimento fisiológico antes do despertar.

Sonho lúcido


Em dezenas de estudos, pesquisadores trouxeram pessoas para o laboratório e as treinaram para sonhar lucidamente. Eles o fazem com uma variedade de técnicas, incluindo autossugestão quando as pessoas deitam a cabeça no travesseiro ("Eu vou ficar consciente no sonho; vou observar") e o ensino de sinais indicadores de sonho (os interruptores não funcionam; levitar é possível; muitas vezes não conseguimos gritar).

O sonho lúcido ocorre durante um estado híbrido de consciência, afirmam pesquisadores do sono – uma dose pesada de REM com uma pitada de consciência desperta. "Esse é apenas um tipo de estado híbrido, mas há vários outros", disse Mahowald. Sonambulismo e terrores noturnos, disse ele, representam misturas de ativação muscular e sono fora do REM. Ataques de narcolepsia refletem uma transgressão do REM no alerta normal diurno.

Em um estudo publicado em setembro no jornal Sleep, Ursula Voss, da J.W. Goethe-University, em Frankfurt, liderou uma equipe para analisar ondas cerebrais durante o sono REM, o despertar e o sonho lúcido. Descobriram que o sonho lúcido tinha elementos de REM e do despertar – mais notavelmente nas áreas frontais do cérebro, que se acalmam durante os sonhos normais. Hobson foi coautor do artigo.

"Vemos o cérebro dividido em ação", disse ele. "Isso me diz que há esses dois sistemas, e que, na verdade, eles podem estar funcionando ao mesmo tempo".

Pesquisadores ainda têm um longo caminho a percorrer antes de poder confirmar ou preencher essas hipóteses. Todavia, o desfecho poderia se estender além de uma compreensão mais profunda sobre o sono do cérebro. Pessoas com esquizofrenia sofrem ilusões de origem desconhecida. Hobson sugere que esses voos da imaginação podem estar relacionados a uma ativação anormal de uma consciência que está sonhando. "Se o sonhador acordar, teremos psicose", disse Jung.

Para todas as outras pessoas, pensar nos sonhos como um tipo de checagem de som para o cérebro também pode trazer conforto. Aquele sonho sinistro com as pessoas reunidas no quintal em uma festa estranha? Provavelmente não tem significado. Não há motivo para gritar, mesmo que fosse possível.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Cientistas detectam memórias usando exame de ressonância

12/03/2010

Pesquisadores de uma universidade britânica disseram ter conseguido diferenciar as memórias de pessoas por meio da análise de exames cerebrais.

Os estudiosos da University College de Londres mostraram aos participantes da pesquisa trechos de filmes e conseguiram prever em quais destes clipes os voluntários estavam pensando depois.

Pesquisas anteriores indicavam que os exames cerebrais apenas indicavam processos mais simples como a distinção de cores, objetos ou lugares.

O estudo fornece novas informações sobre como as memórias são gravadas no cérebro, e os cientistas esperam que as descobertas contribuam para o desenvolvimento de problemas ligados à perda da memória, tanto por doenças como por ferimentos.

Filmes
A pesquisa, liderada pela cientista Eleanor Maguire e divulgada na publicação especializada Current Biology, é uma extensão de uma pesquisa anterior da mesma equipe, que tratava da memória espacial.

Os pesquisadores pediram a dez voluntários para assistir a três clipes de filmes curtos que mostravam pessoas em atividades cotidianas, como colocar uma carta no correio ou atirar um copinho de café na lata do lixo.

Os cientistas então pediram aos voluntários que se lembrassem dos filmes, um de cada vez, ao mesmo tempo em que era realizado um exame de ressonância magnética para verificar a atividade cerebral. Este exame foi então estudado com um programa de computador.

Em exames de ressonância posteriores, por meio da verificação do padrão de atividade cerebral, os cientistas foram capazes de identificar em qual dos filmes os voluntários estavam pensando.

Para o professor de neurociência da Universidade de Edimburgo, na Escócia, Richard Morris, a descoberta da equipe do University College de Londres é um "progresso valioso nas formas tradicionais de se analisar imagens do cérebro. Eles analisam não apenas a força do sinal, mas o padrão da atividade pelo cérebro".

"Ao fazer isto nas áreas de memória, é possível pela primeira vez distinguir uma memória de outra, mesmo se as duas memórias são igualmente fortes", acrescentou.

Mas Morris observou que o computador não lê as memórias, simplesmente as diferencia.