quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Como se forma a memória

Entre o Oiapoque e o Chuí existem centenas de marcos geográficos que demarcam a fronteira brasileira. Um amigo dos meus pais os recitava de memória. Eu fui obrigado a decorar a tabuada, o que não ocorreu com meus filhos. Nas últimas décadas a memorização de novos conhecimentos por meio da repetição exaustiva caiu em desuso. Em parte isto se deve aos novos métodos pedagógicos que valorizam a capacidade de utilizar o conhecimento ao invés de sua simples memorização. Mas uma polêmica nos meios científicos sobre a melhor maneira de criar memórias de longo prazo também contribuiu para o ocaso da tabuada.

A teoria clássica afirmava que a repetição exata de um estímulo era a melhor forma de memorizá-lo. A nova teoria propunha que memórias mais duradouras eram formadas quando o estímulo contendo a informação era apresentado em diferentes formas a cada repetição. Na teoria clássica a melhor maneira de memorizar a tabuada era repetir cada frase centenas de vezes. Na nova teoria o aluno deveria ser submetido a uma série de repetições nas quais o contexto da informação mudasse a cada repetição. A memorização seria mais eficiente pois o conhecimento ficaria "ancorado" em diversos pontos da memória. Agora, analisando diretamente a atividade cerebral à medida que a memória é formada, os cientistas descobriram como as memórias mais duráveis são formadas.

Os testes foram feitos em 24 voluntários. A cabeça da pessoa era colocada dentro de uma máquina de ressonância magnética capaz de medir a atividade de cada região do cérebro a cada instante. É como se a máquina estivesse filmando que parte do cérebro está ativa ou inativa a cada segundo. Com a máquina na cabeça, os voluntários observavam uma tela de computador e eram instruídos a memorizar 120 fotos de faces de pessoas. Cada face era apresentada três vezes misturada aleatoriamente às outras faces. Dada esta combinação, cada voluntário examinava um total de 360 faces enquanto a maquina de ressonância registrava a atividade cerebral. Desta maneira foi possível registrar a atividade cerebral de cada voluntário para cada uma das três vezes em que ele foi apresentado a cada uma das 120 faces.

Uma hora depois de terminada esta parte do experimento o voluntário voltava para o laboratório para tentar identificar as faces que havia memorizado. Nesta segunda etapa, feita sem o aparelho na cabeça, era apresentada a uma sequência de 240 faces sendo que 120 eram novas e 120 eram as mesmas que ele havia observado com a máquina na cabeça. Para cada uma destas 240 faces ele deveria dar uma nota de 1 a 6 dependendo do grau de certeza que a face já havia sido observada na primeira parte do experimento.

Feito isso os cientistas selecionaram, entre as faces apresentadas na primeira parte do experimento, as que as pessoas tinham certeza que se lembravam (nota 5 e 6) e as que elas seguramente haviam visto mas não se lembravam (nota 1 e 2). Sabendo quais faces haviam sido memorizadas e quais haviam sido esquecidas os cientistas examinaram a atividade cerebral do voluntário enquanto estava olhando faces memorizadas ou esquecidas. O objetivo era tentar descobrir que atividades cerebrais eram indicativas de que a memória estava se formando de forma eficiente.

A comparação da atividade cerebral de um voluntário enquanto examina duas faces distintas é pouco informativa. Já se sabe que diferentes faces provocam diferentes reações e consequentemente diferentes atividades cerebrais. Enquanto uma face pode provocar reações do tipo "ela é parecida com minha avó Zica" outra face pode provocar reações do tipo "nunca vi um homem tão triste" e é claro que a atividade cerebral que gera estes pensamentos é diferente. Foi por este motivo que os cientistas compararam a atividade do cérebro nas três vezes que a mesma face foi apresentada ao voluntário, tanto no caso das faces memorizadas quanto no caso das faces esquecidas.

Quando esta comparação foi feita em centenas de faces lembradas ou esquecidas pelos 24 voluntários ficou clara uma diferença entre as faces lembradas e as esquecidas. No caso das faces lembradas, a atividade cerebral era semelhante nas três vezes em que a pessoa observava a mesma face. No caso das faces esquecidas cada vez que a pessoa observava a face a atividade cerebral era diferente. Isto demonstra que a formação eficiente de memória ocorre quando o padrão de atividade cerebral se repete perfeitamente cada vez que o estímulo é apresentado.

Este tipo de experimento foi repetido usando palavras escritas e sons em vez de faces, confirmando que formação eficiente de memória ocorre quando o estímulo é capaz de provocar reações idênticas em nosso cérebro, e comprovando a teoria clássica do processo de memorização. É por isso que um grupo de crianças forçadas a recitar em voz alta todo dia um poema ou a tabuada acaba memorizando a informação para o resto da vida e um advogado, 50 anos depois de sair da escola, ainda é capaz de listar os rios e montanhas do Oiapoque ao Chuí.

Portanto, se o objetivo é simplesmente memorizar algo, a repetição exata é a solução preferida, mas se a ideia é educar crianças para lidar com a informação e utilizar o conhecimento de maneira critica e criativa a repetição exaustiva não é a melhor forma de educar. A arte está em combinar estas duas atividades.

BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES EM: GREATER NEURAL PATTERN SIMILARITY ACROSS REPETITIONS IS ASSOCIATED WITH BETTER MEMORY. SCIENCE VOL. 330 PAG. 97 2010

A neurociência explica a função dos pesadelos



10/08/2010
por ANNETTE SCHWARTSMAN
 



No novo filme "A Origem", o personagem de Leonardo Di Caprio é contratado para invadir sonhos do herdeiro de uma corporação e implantar ideias em sua mente.

Com efeitos especiais dignos dos piores pesadelos -como Paris dobrando-se sobre si mesma e explodindo em pedacinhos-, essa ficção científica, no entanto, não está tão longe da realidade.

Uma área da neurologia argumenta que um indivíduo pode dirigir seus próprios sonhos de forma limitada.

Alguém que tenha um pesadelo recorrente pode aprender a substituir seu script aterrorizante por uma versão mais amena.

Bons ou ruins, os sonhos são misturas criadas pelo inconsciente que processa, ordena e guarda emoções do dia, lembranças reprimidas e desejos ocultos.

"Se fossem mera atividade aleatória dos neurônios no córtex cerebral, não seria possível ter sonhos iguais mais de uma vez. Isso prova, como Freud disse, que eles têm significado e são motivados por experiências vividas durante a vigília", diz o neurocientista Sidarta Ribeiro, 39, chefe de laboratório do Instituto Internacional de Neurociência de Natal e um dos principais pesquisadores do assunto no Brasil.

"Nós levamos os problemas para dormir e os trabalhamos durante a noite", diz Rosalind Cartwright, professora de neurociência da Universidade Rush do Centro Médico de Chicago, que há 50 anos estuda o sono.

Em seu livro "The Twenty-Four Hour Mind" ("a mente 24 horas"), ela explica que o cérebro registra as questões emocionais inacabadas do dia e, durante o sono REM (em que os olhos se movem rapidamente e ocorrem os sonhos), as mistura com memórias antigas relacionadas.

"O sonho serve para depurar a emoção negativa recente. É como se você limpasse o seu HD para sofrer menos durante o dia", compara o neurologista Flávio Alóe, 50, do Centro Interdepartamental para os Estudos do Sono do Hospital das Clínicas de SP.

Já os pesadelos, diz Alóe, são sonhos que provocam sensação de impotência diante de ameaças de sobrevivência, segurança pessoal ou autoestima.

"Com sequências temporais semelhantes à realidade, eles se confundem com esta, tornam-se perturbadores e terminam com o despertar consciente e com emoções negativas como ansiedade, medo, raiva, vergonha e nojo, que permanecem na memória. Também podem ser acompanhados de taquicardia, respiração ofegante, sudorese ou ereção", define o especialista.

Alóe diz ainda que noites cortadas por pesadelos prejudicam o sono REM, essencial para regular funções como criatividade e memória.

Como pesadelos devem ser levados a sério, uma providência é achar as causas. "É preciso saber se têm causas emocionais, se são efeito de remédios, de transtorno neurológico", diz Luciano Ribeiro Pinto Jr., neurologista do Instituto do Sono e pesquisador do sono na Unifesp.

Há tratamentos farmacológicos e terapêuticos. Em um desses, a dessensibilização "in vivo", a pessoa é exposta, acordada, ao que a atormenta no sono -como ratos. O medo passa.

No sonho lúcido, a pessoa aprende a ficar consciente de que está sonhando. Para alguns, a habilidade é natural.

"Na ioga tibetana, pratica-se sonho lúcido no sono e na vigília", diz Sidarta Ribeiro.

No sonho lúcido, o indivíduo tem consciência de estar sonhando, raciocina. Ele se comunica com o meio externo por movimentos oculares ou do polegar, e decide o conteúdo do enredo.

Outra técnica é a incubação do sonho, pesquisada pela primeira vez nos anos 1990 por Deirdre Barrett, da Harvard Medical School.

Segundo a psicóloga, o paciente deve escrever seu problema em uma frase curta e colocar a anotação perto da cama. Antes de dormir, revisa o problema e, deitado, visualiza a questão.

Enquanto cai no sono, deve dizer a si mesmo que quer sonhar com o problema. Ao acordar, deve ficar deitado, observando se há resquícios de sonho, e anotar o que lembrar.

Uma terapia semelhante é a de ensaio da imagem, desenvolvida por Barry Krakow, do Centro Maimonides de Artes e Ciência do Sono, no Novo México (EUA).

Consiste em, no estado de vigília, relembrar o pesadelo em detalhes e escrevê-lo mudando o seu final para um agradável, ou até um sonho completamente diferente.

Depois, a pessoa deve ensaiar a nova versão uma vez por dia, por 20 minutos, durante duas semanas.

Shelby Freedman Harris, diretora de medicina comportamental do sono do Montefiore Medical Center, em Nova York, aplica o método e conta o caso de uma mulher que sonhava estar cercada por tubarões. Ela imaginou que eles fossem golfinhos: os pesadelos sumiram.

Outro jovem que tinha pesadelos de estar sendo seguido transformou o perseguidor em chocolate e o comeu.

Alguns analistas veem problemas em mudar o conteúdo dos pesadelos. Argumentam que eles enviam mensagens cruciais à mente.

"A riqueza dos sonhos e pesadelos está no fato de nos trazerem conteúdos do inconsciente. A diferença entre os dois é gostarmos ou não desses recados que, uma vez compreendidos, param de nos assombrar", diz a psicanalista Lucia Rosenberg.

"Acho uma pretensão querer mandar no inconsciente que, por definição, é algo que não se controla", conclui.

Para psicanalista lacaniana Fani Hisgail, autora de "A Ciência dos Sonhos, um Século de Interpretação Psicanalítica" (Unimarco), há uma longa estrada a percorrer "entre o sonho contado, que é o material trabalhado em terapia cognitiva, e o sonho sonhado, que guarda elementos recalcados".

Do ponto de vista do sintoma, essas terapias substituem seis por meia dúzia, diz Fani. "Cria-se uma ficção de bem-estar, mas o sujeito continua desconhecendo o real motivo que o angustia."

Já Sidarta Ribeiro não vê problemas em apaziguar pesadelos às vezes. "O inconsciente é robusto, não será afetado. As mensagens continuarão a chegar. O difícil não é recebê-las, mas compreendê-las, o que é raro", retruca.

As pesquisas da neurofisiologia sobre sonhos, iniciadas nos anos 1950, engatinham. Mas têm futuro. "Já temos a medicina do sono, um dia teremos a medicina dos sonhos", diz Luciano Ribeiro Pinto Jr. Não custa sonhar.

Como o sono consolida a memória

Sidarta Ribeiro mostrou os resultados de sua pesquisa hoje de manhã na reunião anual da SBPC

Maria Fernanda Ziegler
Dormir faz bem para o aprendizado. O sono, além de servir para a conservação de energia, faz a reposição das biomoléculas na vigília e atua para o processamento da memória. Freud, já dizia, em 1900, que o sono contém restos diurnos. E estudos ainda da década de 20, chegaram à conclusão que o sono favorece a consolidação da memória.

Agora, uma pesquisa dirigida pelo neurologista Sidarta Ribeiro, do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS,) vai estudar os mecanismos biológicos que comprovam tais afirmações. O pesquisador apresentou seus resultados hoje de manhã na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Natal.

A memória adquirida transita por regiões do cérebro até se transformarem em aprendizado ou lembrança. Primeiro elas ficam no hipocampo, migrando depois para a região córtex. Este processo é consolidado durante o sono. “Agora conseguimos medir como isto é feito”, contou Ribeiro.

A memória é construída numa sequência específica do ciclo do sono - na fase de ondas lentas (sono profundo) e na fase REM, aquela em que sonhamos. O pesquisador analisou a movimentação de neurônio de ratos. Um animal ficou em uma caixa completamente vazia e com ciclos de luz que duravam 12 horas e depois 12 horas sem luz. Depois quatro novos objetos colocados na caixa. Depois de algumas horas o objeto é retirado. “A ideia era monitorar a vigília, sono de ondas lentas e sono REM e eu presumo que na caixa onde foram colocados os objetos, o animal vai se lembrar de alguma coisa”, disse.

Nos animais que tiveram contato com os objetos, foi observado um intensa movimentação de impulsos elétricos durante o sono de ondas lentas. Os neurônios foram ativados neste período, quando a memória foi reverberada do hipocampo para o córtex.

Durante o sono REM foi registrado um aumento no córtex, mas não no hipocampo. “As duas fases do sono têm funções complementares”, explicou o pesquisador. Na fase de ondas lentas ocorre a reverberação da memória e durante o sono REM, os genes são ativados e a memória é armazenada. “A gente acredita que o sono de ondas lentas é um processo biológico que preserva as memórias e fica reverberando, fica trazendo estas memórias a tona até que venha o sono REM. A combinação destas duas preserva a propagação das memórias”.

Dormir pra aprender
Se o sono é importante para o armazenamento da memória, se faz necessário aproximar o horário das aulas com o do sono. Em outro experiência, desta vez com alunos de uma escola de Natal, a equipe constatou que o sono ajuda no aprendizado. Em uma aula de 10 minutos, os alunos aprenderam palavras novas. Logo depois, dormiram por 2 horas. O grupo que dormiu conseguiu lembrar mais das palavras que o grupo que não dormiu. Aqueles que ficaram de olhos fechados, mas não conseguiram cair no sono, ficaram em posição intermediária. “O sono facilita a reestruturação da memória”, disse.

Não sonhe demais
Outro estudo do IINN-ELS analisou o desempenho de jogadores do Doom, videogame como monstros e desafios como caminhos secretos e bolas de fogo. A pesquisa, ainda em fase de conclusão, monstrou que o sonho interfere no desenvolvimento de tarefas no dia seguinte.

Na primeira noite, uma noite controle, a pessoa dorme com eletrodos, quando se observa que ela atinge o sono REM, ela é acordada e relata o sono. Na segunda noite, a pessoa joga videogame por uma hora, o jogo é gravado. Em seguida a pessoa dorme e o sonho é coletado outra vez. No terceiro dia ela joga Doom outra vez. O que foi identificado foi que a pessoa melhora no jogo.

A pesquisa queria medir a intrusão onírica no desempenho, ou seja, ao usar a memória adquirida do dia anterior, a pessoa fica mais preparada para o futuro. Quem sonhou pouco com o jogo, teve pouca melhora do desempenho, quem sonhou muito com o jogo, melhorou; e quem sonhou demais piorou. “Acreditamos que quem sonhou demais entrou em estresse e piorou o desempenho no jogo”, disse Ribeiro.

Sono é um aliado do cérebro



BEATRIZ CASTRO Natal

O que você sabe sobre visão e memória? Se a resposta for nada ou quase nada, você está na mesma situação de crianças de uma escola pública de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Elas entraram em contato com o tema pela primeira vez através de uma palestra dada por pesquisadores de duas universidades do estado. Você saberia dizer, por exemplo, qual a parte do corpo humano que é parecida com uma janela? Na aula, todas as repostas começaram a aparecer.

Pouco a pouco, as crianças, de apenas 11 anos, foram aprendendo os conceitos básicos da memória. Atenção não faltou. Mas a aula foi rápida. Em seguida, os alunos foram separados em dois grupos: um deixou a sala e voltou para a aula normal; o outro grupo ficou por ali mesmo.

Logo depois da aula, hora de dormir. Os pesquisadores querem saber até que ponto o sono ajuda a fixar na memória o que os alunos acabaram de aprender. E a sala de aula virou dormitório.

As luzes se apagaram, e os alunos, muito comportados, entenderam a importância da pesquisa e se entregaram lentamente a uma deliciosa soneca no meio da manhã. Segundo os pesquisadores, é neste momento que tudo aquilo que eles acabaram de aprender vai ser arquivado pelo cérebro.

Quando estamos acordados, informações sobre fatos, datas, eventos se acumulam no hipocampo, uma parte do cérebro. Durante o sono, essas informações migram para o córtex cerebral, onde vão ficar armazenadas por muito tempo.

"É uma espécie de reorganização da memória, que libera espaço neural para a aquisição de novas memórias no hipocampo e estoca as memórias antigas no córtex", explica o professor de neurociência Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O grupo de estudantes que não dormiu manteve a rotina na sala de aula. Dois dias depois da primeira visita, os pesquisadores voltaram de surpresa à escola. Os alunos que dormiram e também os que não dormiram depois das novas lições fizeram um teste para saber qual o grupo que mais memorizou as informações.

As crianças, mais uma vez, colaboraram. E, concentradas, responderam todas as perguntas. A pesquisa toda já envolveu 250 crianças em escolas de Natal. Os resultados mostram que é sempre mais fácil para quem tirou um cochilo logo depois da aula.

"Em média, os meninos que dormiram tiveram um desempenho 10% melhor. Acreditamos que é porque o cérebro deles durante o sono protegeu e consolidou a informação nova. Enquanto que os meninos que continuaram em sala de aula tiveram mais interferência sensorial e tiveram uma memorização menos eficiente", diz Sidarta Ribeiro.

Para os pesquisadores, os resultados comprovam que o sono não deve ser tratado como um inimigo da escola.

"Eu acredito que a criança deva chegar para a escola bem alimentada, que ela preste bastante atenção na aula, que seja um aula muito eficiente e carismática, e que depois ela possa tirar um cochilo e consolidar essas informações com a atenção devida", diz Sidarta Ribeiro.

Se você ainda não se convenceu, um dos maiores gênios da Humanidade, Leonardo da Vinci, adorava uma soneca.

"Ele dormia vários cochilos de forma entremeada ao longo do dia. Então, após uma atividade de criação ou de estudo, ele se recompensava com um cochilo reparador, consolidador de memória", conta Sidarta Ribeiro.

Você se lembra da primeira questão da prova das crianças? "Os olhos são a janela do corpo humano": a frase – simples e genial – foi dita por Leonardo da Vinci entre uma soneca e outra.

Mas quantos problemas o gênio teria conseguido resolver ao acordar? Os pesquisadores do Instituto Internacional de Neurociências de Natal se perguntam: além do sono, os sonhos também atuam sobre o funcionamento do nosso cérebro?

"É muito comum a repetição de um sonho quando a pessoa está vivendo um problema que não se resolve", diz Sidarta Ribeiro.

O desafio dos cientistas agora é investigar o poder dos sonhos. Para isso, eles mediram as ondas cerebrais da voluntária Fabrícia Assunção enquanto ela dormiu. Mas antes de ir para a cama, ela recebeu uma tarefa: resolver os enigmas de um jogo de videogame.

"Vamos ver como eu vou me sair, porque não tenho nenhum costume. Nunca joguei, nem sabia que jogo era esse", disse a voluntária antes de começar o teste.

Os equipamentos mostraram que, durante o jogo, no cérebro, é ativada a área que controla os movimentos da mão. O game é violento, com monstros e muito sangue. Será que toda essa tensão se refletiu nos sonhos de Fabrícia?

Meia-noite e meia é a hora em que Fabrícia costuma pegar no sono. O sono dela foi monitorado. E quando o equipamento mostrou que ela já estava sonhando, a grande revelação: a área ativada no cérebro foi a mesma que ela usou durante o jogo, quando estava acordada.

Fabrícia foi despertada às 6h50. Pelo monitoramento, os pesquisadores sabiam que ela estava sonhando. A equipe do Globo Repórter não entrou no quarto no momento em que ela foi despertada para não interferir na pesquisa. A maioria das pessoas se esquece dos sonhos pouco tempo depois de acordar.

"Ela sonhou. O interessante é que além de ela ter relatado os sonhos e ter lembrado dos sonhos, o sonho dela teve ligação direta e indireta com a tarefa que ela realizou: o jogo", explica o pesquisador de psicobiologia André Pantoja.

Fabrícia conta que, quando foi acordada, lembrou que sonhava sobre um desenho animado, com uma briga e com montanhas. "De manhã, quando eu acordei, era como um desenho: o herói e o vilão estavam brigando um com o outro e, no final, o herói ganhou", descreve.

Ganhou o herói e ganhou a própria Fabrícia. Depois do sonho, ficou mais fácil vencer os obstáculos do jogo. Melhorou o desempenho da voluntária.

"As pessoas que sonham com seus problemas, resolvem seus problemas. Os sonhos servem para simular futuros possíveis. O sonho permite a criação de soluções novas, bastante complexas, para problemas comportamentais que nós temos", diz Sidarta Ribeiro.

Mas quando a pessoa fica muito ansiosa o sonho vira pesadelo e acontece o contrário: o desempenho no dia seguinte é baixo.

"Eu já fui direto ao ponto porque ficou mais claro. Não vou continuar jogando porque não gosto de monstro, nem de violência. Foi só um experimento", diz Fabrícia.

Dizem os pesquisadores que o exemplo de Fabrícia vale para todos: se conseguirmos lembrar dos nossos sonhos, talvez seja mais fácil encontrar a solução para os problemas que nos afligem.

"É triste abrir mão de uma arma tão poderosa que está dentro de você há séculos", constata André Pantoja.